Defensores Públicos defendem 5.000 famílias do VLT e da especulação imobiliária


Rodrigo de Medeiros Silva e Tania Pacheco

Os Núcleos de Moradia e Habitação e de Direitos Humanos e Ações Coletivas,
da Defensoria Pública do Ceará, impetraram Ação Civil Pública (ACP) contra
a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) e contra o Estado
do Ceará, em defesa de cerca de cinco mil famílias de Fortaleza. Elas serão
atingidas pelo Projeto VLT (Veículo Leve Sobre Trilhos), que está sendo
construído pelo Governo estadual às margens do ramal ferroviário da REFFSA,
no trecho Parangaba Mucuripe.

O trajeto envolve 12,7km, onde algumas dessas 5.000 famílias vivem há
mais de 50 anos. Todas já consolidaram sua posse, assim como as condições
de moradia, trabalho, acessibilidade, saúde e educação no local, e, como
relatam os moradores mais antigos, as moradias são passadas de geração
em geração há muito tempo.

São 22 comunidades carentes que estão sendo ameaçadas de remoção
para a implantação do  VLT e, além de não terem recebido informações
adequadas sobre o projeto, também não lhes foi feita proposta de reassentamento
em local próximo, como exige a legislação municipal. Ao contrário, a intenção
é removê-las e reassentá-las a uma distância de cerca de 14 km do local
onde vivem, contra a sua vontade e ignorando-se que a posse com fins de
moradia há décadas constitui usucapião constitucional urbano. Outra hipótese
oferecida é indenizá-las pela benfeitorias, por valores que não permitem
a aquisição de outra moradia em condições semelhantes.

Na ACP, a Defensoria Pública manifesta sua estranheza quanto ao trajeto
previsto para o VLT no EIA/RIMA, pois em vários trechos a linha que o governo
pretende construir desvia de grandes empresas privadas e/ou de terrenos
vazios, mas atinge comunidades inteiras. São citadas como exemplos a Comunidade
Lauro Vieira Chaves, localizada no Bairro Montese, com 203 famílias (mais
de 800 pessoas), e a Comunidade Aldacir Barbosa.

No caso da Comunidade Lauro Vieira Chaves, o trajeto do VLT desvia do
traçado da linha férrea REFFSA, que vem sendo seu parâmetro, e faz uma
curva acentuada para atingir toda a comunidade. Como se a curva desnecessária
não bastasse, é notória a existência de um extenso terreno descampado,
por onde a obra deveria passar se seguisse seu traçado normal da obra.
E isso preservaria os moradores, como determina a Constituição do Município.

Diante de fatos como esse, as comunidades buscaram a Defensoria Pública
do Estado e da União, questionando o projeto, as remoções e apreensivas,
inclusive, com a possibilidade de não terem onde passar o Natal, pois o
início da obra está previsto para dezembro de 2011. Não há alternativa
viável que lhes garanta uma moradia adequada entre o processo de desapropriação
e um eventual reassentamento, ou seja: para onde irão  durante a realização
da obra? Depois serão reassentados em local próximo? Serão ouvidos? O estudo
não diz nada sobre isso.

Como tudo começou

Ainda de acordo com a ACP, a angústia dessas famílias teve início em abril
de 2010, quando jornais de grande circulação local começaram a anunciar
a realização da obra e a consequente remoção dos moradores. Na época, funcionários
das empresas terceirizadas COMOL e MOSAICO visitavam as comunidades, a
fim de realizar cadastros socioeconômicos na área atingida, sem fornecer
informações detalhadas sobre a implementação do projeto.

Diversas denúncias de irregularidades foram feitas nessa ocasião, sempre
negadas pelo Poder Público. Entretanto, laudos avaliativos demonstram que
os cadastros eram na verdade avaliações dissimuladas, destinadas a subsidiar
a fase de negociação do valor do bem antes mesmo do início do estudo de
impacto ambiental. Antes de iniciar o EIA/RIMA, o METROFOR já propunha
negociação de valores dos imóveis com a comunidade Lauro Vieira Chaves,
no Bairro Montese. O mesmo acontecia em outras localidades, inclusive na
comunidade Aldacir Barbosa, no Bairro de Fátima, onde muitos moradores
eram sumariamente convocados a comparecer em reuniões de negociações, para
fixar o valor da indenização via acordo. Vale destacar que a Licença Prévia
do empreendimento é a premissa legal para qualquer procedimento de desapropriação,
mesmo na fase administrativa.

A ACP faz questão de frisar que as convocações para anuir ao valor da
indenização ofertada iniciaram-se ainda durante a fase de cadastramento
social, portanto antes do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, ato inicial
de uma série de outros que compõem o complexo procedimento de licenciamento
ambiental, o qual, destaque-se, tem o condão de aprovar ou desaprovar a
implementação de determinados projetos, concedendo ou não a licença, e
somente após a licença é permitido o início do levantamento de valores
para fins de avaliação e subsequente expropriação.

Ademais, os moradores das comunidades atingidas ressaltam a ausência de
debate e clareza acerca do projeto, o que resta claro na análise do EIA/RIMA
e do Parecer Técnico N° 3104/2011 DICOP/GECON da SEMACE , o qual declara,
no tópico relativo ao “ESCLARECIMENTO DA POPULAO”, que tal impacto foi
considerado:

ADVERSO, pois, pela forma como foi conduzido junto às comunidades, resultou
em aumento da insatisfação, desconhecimento do projeto e aumento negativo
da expectativa da população, fato facilmente comprovado durante as visitas
sociais da SEMACE, durante a audiência pública realizada na Assembleia
Legislativa e nas manifestações veiculadas na mídia.

Os moradores também destacam a imposição da desapropriação, propalada
pelos terceirizados responsáveis pelo cadastro social, os quais apresentavam
a remoção como medida obrigatória, sequer confrontada com as alternativas
possíveis.

Um outro ponto absurdo destacado na ação é o fato de a Semace ser, legalmente,
incompetente para conceder  licenciamento, uma vez que a obra terá
impactos socioambientais apenas de âmbito local. Ou seja:  a competência
para a realização do licenciamento é do órgão municipal, a SEMAM.

Conclusão

Em  função dessas e de outras questões, a Defesoria Pública solicita
a suspensão da Licença Prévia do Projeto VLT até que sejam apreciadas
as irregularidades apontadas na presente ação, notadamente: a) a incompetência
do órgão licenciador b) a insuficiência das alternativas locacionais e
tecnológicas c) a não realização de audiência pública para debater as complementações
ao EIA/RIMA com as comunidades atingidas d) a falta de Licença Urbanística
e) a inexistência de Estudo de Impacto de Vizinhança.

Pede, ainda, se condicione “o prosseguimento do processo de licenciamento
ambiental do Projeto VLT à realização do Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança
e à apresentação da Licença Urbanística do empreendimento”; a suspensão
da “licitação da obra até que todas as questões referentes ao EIA/RIMA
e EIV sejam concluídas”; a “inclusão no EIA/RIMA de medidas mitigadoras
condizentes com a legislação urbanística municipal relativa a reassentamento”;
o reconhecimento da “incompetência da SEMACE e do COEMA, respectivamente,
para conceder a Licença Ambiental e aprovar os pareceres jurídicos e técnicos
do Projeto VLT, e, por via de consequência, fixar a competência da Secretaria
Municipal do Meio Ambiente/SEMAM para o licenciamento do Projeto VLT,
submetendo as complementações do EIA/RIMA à discussão em nova(s) audiência(s)
pública(a), a fim de que seja elaborado novo Parecer Técnico pelo respectivo
órgão, o qual deverá ser submetido à nova sessão de aprovação pelo COMAM
Conselho Municipal do Meio Ambiente”.

Acrescenta, ainda: “Pelo princípio da eventualidade, caso Vossa Excelência
decida pela competência do órgão estadual SEMACE, determine que as complementações
do EIA/RIMA sejam submetidas à discussão em nova(s) audiência(s) pública(s)
para debater o projeto a fim de que seja elaborado novo Parecer Técnico,
no qual deverão constar todas as alternativas locacionais e tecnológicas
sugeridas e possíveis, as medidas mitigadoras condizentes com a legislação
urbanística local, devendo ainda ser submetido à nova sessão de aprovação
do aludido parecer pelo COEMA”.

E encerra solicitando ao Juíz que determine, “na hipótese do EIA/RIMA/EIV
considerar, após o suprimento das irregularidades aqui apontadas, a remoção
como medida absolutamente necessária, o que só se admite por amor a argumentação,
que o reassentamento seja feito no bairro onde residir cada comunidade
afetada, nos termos do art. 149; I, alínea
b da Lei Orgânica do Município de Fortaleza, após prévia aprovação
dos interessados, consignando a obrigação do Estado do Ceará arcar como
os meios materiais e humanos para a execução das mudanças e com pagamento
de aluguel social entre a data da remoção e a efetiva entrega da nova moradia
a cada família, no valor mínimo de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais),
devidamente corrigidos pelo índice de correção dos alugueres mediante depósito
em conta do interessado”.

O valor atribuído à causa foi de R$ 100.000,00 (cem mil reais), pedindo
a ACP que os réus sejam condenados a pagar uma multa diária no valor
de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada parte.

Assinam a Ação Civil Pública os Defensores José Lino Fonteles da Silveira
e Amélia Soares da Rocha, assim como a estagiária Sofia Frota Albuquerque,
da DPGE.

Fonte:
Racismo Ambiental

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