A Lei Geral da Copa e os interesses dos brasileiros

São Paulo, 10 de outubro de 2011

Junto com a polêmica sobre os gastos com as obras, outro tema vem ganhando
vulto nos noticiários sobre a Copa 2014. Trata-se da chamada Lei Geral
da Copa, que regula preços dos ingressos, marcas dos patrocinadores e outras
medidas exigidas pela FIFA para a realização desse evento no Brasil.

O texto foi encaminhado ao Congresso Nacional pelo Executivo em 14 de
setembro e já está sendo apreciado por uma comissão especial da Câmara.

Não agradou a FIFA e nem à sociedade civil brasileira organizada em torno
da defesa dos interesses nacionais nesse evento. Os pontos de discórdia
não são “picuinhas”, eles dizem respeito a direitos duramente conquistados
por todos os cidadãos brasileiros. Vamos entender um pouco sobre o assunto.

Contexto

Desde que os tempos da Taça Jules Rimet, existe um acordo entre o país-sede
da Copa do Mundo e a entidade máxima desse esporte, a FIFA. Até o campeonato
no Chile, em 1962, esses acordos eram mais simples. Limitavam-se a compromissos
de segurança, hospedagem adequada para as delegações, bem como estádios
que comportassem um bom público. Os países construíam, no máximo, um estádio
maior, que serviria para a final da Copa. O Maracanã, por exemplo, foi
feito especialmente para a Copa de 50. Em Belo Horizonte, um das sedes
na época, os jogos foram disputados no antigo estádio do Atlético Mineiro,
que apenas recebeu pintura nova.

Em 1966, na Inglaterra, com o início das transmissões ao vivo, via satélite,
as negociações entre a FIFA e o país-sede tornaram-se mais complexas, envolvendo
direitos de transmissão e de imagem. De 1970 até 1998, a FIFA entrou firme
no marketing e, a título de defender a marca? Copa do Mundo, passou a
exigir compromissos dos países-sede que, muitas vezes, feriam a legislação
local. Nos anos 1990, o futebol tornou-se o esporte midiático por excelência,
cujas transmissões por TV atingiam qualquer canto do planeta. A Copa, o
momento máximo desse espetáculo, virou uma empreitada, sob rígido controle
da FIFA que, a partir de 2002, passa a definir as dimensões e características
dos estádios, o preço dos ingressos, a cerveja vendida durante os jogos
e até o tipo de repressão desejável contra a venda de produtos piratas.

Em resumo, o investimento é feito para atender prioritariamente as necessidades
financeiras da FIFA. Os interesses dos países e do próprio futebol estão
em segundo plano.

Como na maioria dos países-sede existe democracia, essas exigências precisam
passar pela votação no Congresso. Assim, elas são reunidas num corpo jurídico
que no Brasil recebeu o nome de Lei Geral da Copa.

Dois exemplos

Nos países onde a sociedade se mobilizou, esse regulamento (vamos chamar
assim) ficou mais parecido com o interesse do país. Ao contrário, quando
a sociedade não se impôs com suas demandas, a Lei Geral da Copa passou
por cima até mesmo das constituições nacionais.

Na Alemanha, em 2006, o Congresso não permitiu que a FIFA monopolizasse
a venda de cerveja nos estádios. Alegando que essa bebida é um patrimônio
alemão, com características arraigadas em cada região do país, o governo
alemão não aceitou a exigência de só vender nos estádios (e no entorno),
nos dias de jogo a marca patrocinadora da FIFA. Com relação a obras nos
estádios, as autoridades alemãs exigiram que a final fosse realizada no
Estádio de Berlim, que tem parte de sua estrutura interna tombada como
patrimônio histórico. De todas as mudanças exigidas, a única possível era
cobrir o estádio, mesmo assim, fora dos padrões da FIFA, pois algumas vigas
cobriam a visão dos assentos próximos a elas. Mas, valeu a vontade das
autoridades alemãs. A final da Copa de 2006 foi jogada no estádio de Berlim.

Na África do Sul, as autoridades aceitaram até restringir as liberdades
individuais de seus cidadãos durante a Copa o que fere a atual constituição
do país. Quem fosse pego com produtos piratas poderia ficar preso sem processo
até o final da competição.

E o Brasil?

O texto da Lei Geral da Copa já está no Congresso e deve ser aprovada
só no ano que vem. O Governo Federal e a Fifa esperavam que a legislação
entrasse em vigor até o fim do ano. Mas ela traz muitos temas polêmicos
que precisam mesmo ser discutidos não só no Congresso, mas na sociedade.
Até que ponto o Brasil deve aceitar as normas da Fifa para organizar o
evento? A resposta a essa pergunta vai implicar numa lei mais ou menos
voltada aos interesses da cidadania.

O primeiro tema polêmico diz respeito ao preço dos ingressos. O projeto
de lei garante à Fifa a determinação do preço dos ingressos. Mas, a partir
daí, valem as leis brasileiras que determinam meia entrada para idosos
e estudantes, uma diferença de 100 milhões de dólares na arrecadação que
a Fifa não quer arcar. Por isso, está exigindo que se especifique na lei
a não-vigência da meia entrada durante a Copa. Para isso, seria preciso
alterar o Estatuto do Idoso.

Para estudantes, Estados e municípios é que têm o poder de decidir.

A Fifa quer limitar os chamados ingressos populares? a uma porcentagem
sobre o total de ingressos que espera vender. O Brasil quer que essa porcentagem
seja em função da capacidade de público dos estádios. Argumenta que nas
últimas três Copas, a Fifa precisou distribuir ingressos gratuitamente,
pois não conseguiu vendê-los a turistas.

Outro ponto polêmico é a venda casada? (hospedagem, transporte aéreo
e ingressos para as partidas), vedada pelo Código de Defesa do Consumidor.

Também está em discussão a venda de bebidas alcoólicas nos estádios. Pelo
Estatuto do Torcedor de 2003, ela não é permitida. A Fifa não só quer quebrar
essa norma, como quer impor apenas a venda da marca, patrocinadora da entidade.

Os debates já começaram no plenário e na sociedade. ? preciso lembrar
que, são os cidadãos brasileiros que estão pagando essa festa e dela têm
o direito de participar.

? aceitável a ingerência de um ente privado internacional em assuntos
domésticos que dizem respeito à maneira como uma sociedade escolhe enfrentar
seus problemas?

O Brasil vem obtendo crescente influência no cenário internacional, justamente
por estar enfrentando de maneira inovadora e positiva a visão de mundo?
que privilegia os negócios em detrimento dos direitos sociais e da soberania
dos países. A Copa é um momento emblemático para demonstrar que a Fifa
não pode interferir na vida institucional de um país, seja ele qual for.

Fonte:
Ethos

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