Prefeito deu isenção para estádio do Corinthians com base em estudo encomendado pela Odebrecht

04 de agosto de 2011

Ao defender a isenção de impostos para a construção do estádio do Corinthians, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, alegou (veja vídeo abaixo) que a realização de jogos do Mundial 2014 na cidade seria lucrativa, alcançando cifras da ordem de R$ 1,5 bilhão se a abertura do torneio acontecer em Itaquera. Estudo que serviu de base para essa decisão foi encomendado à consultoria Accenture pelos maiores interessados na realização da obra, a construtora Odebretch, e apresentado na câmara por um secretário municipal como algo contratado pelo próprio clube.

Apesar de Kassab ter tomado esta importante decisão, que sangrará os cofres públicos em R$ 420 milhões, também com base nesse estudo, ter acesso ao mesmo não é tão simples como deveria. O blog entrou em contato com o Secretário Adjunto de Comunicação da prefeitura, Alexandre Costa, que disse não ter informações, e indicou a São Paulo Turismo. Procurada, a SPTuris, que é presidida por Caio Luiz de Carvalho, informou por intermédio de sua assessoria não ter detalhes do estudo e sugeriu que entrássemos em contato com… a Secretaria de Comunicação da prefeitura.

Afinal, quem teria esse estudo em mãos? Algo de interesse do contribuinte não deveria ser acessível a todos? Após semanas de busca, a assessoria de Gilmar Tadeu Ribeiro Alves, titular da Secretaria Especial de Articulação da Copa, nos enviou, ontem à tarde, pequeno resumo  (veja abaixo) do trabalho desenvolvido pela Accenture. A consultoria foi enfática ao ser procurada pelo blog, e se limitou a dizer que “não comenta esse assunto”. As solicitações de acesso ao material foram negadas, apesar da insistência, quando argumentamos, por exemplo, que “isso serviu de base para a prefeitura de São Paulo nessa tomada de decisão e deveria estar acessível a todos”.

O objetivo era entender como a Accenture chegou aos números acima. A consultoria não quis explicar e tampouco revelou quem a contratou, alegando defesa do sigilo. Mas procurado pelo blog, o Corinthians informou por meio de sua assessoria de imprensa que o estudo foi feito a pedido da Odebrecht. A construtora confirma. Antes, tivemos acesso ao conteúdo da Audiência Pública do dia 24 de junho de 2011, na Câmara Municipal de São Paulo. O objetivo: discutir a “PL/288/2011 – do Executivo, que dispõe sobre a concessão de incentivos fiscais para construção de estádio na zona leste do município”.

Diz o texto que o Secretário de Desenvolvimento Econômico e do Trabalho, Marcos Cintra, foi “convidado para esta audiência para dar todos os esclarecimentos relativos ao projeto de lei”, o que está registrado logo na segunda de suas 180 páginas. Na 159, em transcrição da fala de Cintra, o secretário diz que

” Foram estudos feitos por aquele que está buscando benefício, que é o Corinthians“.

Mais adiante ele acrescenta, em resposta ao vereador Dalton Silvano:

” Mas o fato é que o Corinthians, que é o empreendedor projeto, que é quem está buscando o benefício se encarregue de mostrar as vantagens para nós, ele é quem nos entregou esses estudos. Um feito por um economista conhecido, Professor Fogaça, e outro feito por uma das maiores consultorias – respondendo à sua pergunta especificamente – que é Century (Nota do blog: o nome correto é Accenture, uma das maiores consultorias do mundo, uma multinacional de grande qualidade. O trabalho foi feito, são estimativas, não é matemática, não é exato, mas são projeções que colocarei a sua disposição. Mas os estudos mostram que o projeto trará enormes benefícios para a cidade de São Paulo, mais especificamente para a zona Leste“.

Em contato telefônico com o blog, Marcos Cintra admitiu que o estudo feito pela Accenture foi um dos que ajudaram na tomada de decisão pela renúncia fiscal: “Houve outros além desse, da Accenture, que pedimos à Odebretch que encomendasse quando eles começaram a solicitar a inclusão como beneficiários em um programa de incentivo fiscal”. O secretário acrescenta que a administração do município também se baseou índices da SP Turis sobre movimentação turística.

“São estimativas de quantas pessoas virão para cá, feitas em cima de números previstos pelo Ministério do Turismo, sendo 285 mil ( estrangeiros) que passariam de alguma forma por São Paulo com a abertura da Copa na cidade. Mas em todo o ano da Copa, não apenas durante o primeiro jogo ou sua realização”, esclarece Caio Carvalho. Ele estima em 45 mil a 50 mil os que irão à capital paulista no mês do Mundial de futebol, motivados pelos jogos, ou não.

Já Cintra explica que o “Fogaça” citado por ele na audiência pública é o especialista em tributos Rodrigo Fogaça, que teria projetado o impacto do estádio e aquilo que o cerca na arrecadação durante os próximos anos. Perguntado sobre por que não foi encomendado o estudo pela própria administração municipal, ao invés de pelas partes que reinvidicam a isenção de impostos, o secretário minimizou: “A Accenture é uma das maiores auditorias mundiais. Além dele temos outros estudos, o fato de a prefeitura ou a Odebretch ter encomendado esse trabalho não muda nada”.

A pergunta a seguir foi: ‘Mas se é tudo tão natural, o que explica a enorme dificuldade para termos acesso a esses estudos?’ Marcos Cintra respondeu: “Ótima sugestão. Seria bom. Vou colocar no site da própria secretaria e sugerir ao Secretário da Copa que coloque lá, pois ele deve ser mais consultado do que nós a respeito”. O que é rotulado como “sugestão” na verdade pode ser visto como obrigação, afinal, recentemente o próprio ministro do Esporte, Orlando Silva, prometeu a publicação das informações sobre todos os projetos associados à Copa e aos Jogos Olímpícos de 2016.

“A decisão de conceder os benefícios fiscais ao Itaquerão traz ônus financeiros para o município e com isso precisa ser justificada de forma plausível para que as pessoas possam concluir se foi algo razoável, ou não. Sem essa projeção fica impossível avaliar se a renúncia fiscal vale a pena, ou não”, analisa Claudio Weber Abramo, da ONG Transparência Brasil. Ele acrescenta que, na prática, sempre que se busca esse tipo de benefício, é feita uma avaliação da arrecadação futura. “É sempre virtual, com números intangíveis, que envolvem empregos, etc. A justiticativa é sempre sobre o futuro. Certamente deveríamos ter acesso aos argumentos que levaram a essa decisão”.

Você, contribuinte, acha razoável que goverrnantes defendam isenção fiscal para uma construção alegando que “estudos” mostram ser uma boa medida para a cidade sem colocar os mesmos à disposição da sociedade? Isso em plena Era da internet! E quanto ao fato de tal levantamento utilizado pelos governantes no amadurecimento de uma importante decisão ser encomendado por quem tem o maior interesse em obter tal benefício? É correto? É adequado? É ético?

Em tempo: o secretário Marcos Cintra prometeu nos enviar cópias dos estudos relacionados às decisões do muncípio relativas ao estádio de Itaquera e à Copa de 2014.

Abaixo, nota da Odebretch enviada ao blog e reproduzida na íntegra Os CIDS (Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento) foram criados por Lei Municipal de 2004, na gestão da prefeita Marta Suplicy, para estimular projetos de investimento na zona leste da cidade de São Paulo, considerada já naquela época a região que mais necessitava de intervenções para melhorar a qualidade de vida da população. A lei descreve como investimento as despesas que resultem em “geração e manutenção de empregos, implantação, expansão ou modernização de empresas ou de empreendimentos industriais, comerciais e de serviços”.

O projeto do Corinthians de construir seu estádio em Itaquera recebeu o apoio da Prefeitura de São Paulo, na atual administração do prefeito Gilberto Kassab, ao entender que o mesmo se enquadra dentro dos objetivos dessa lei.

Os impactos positivos da implantação do estádio para a zona leste foram objeto de vários estudos, entre eles o realizado pela consultoria Accenture, a pedido da construtora Odebrecht, numa prática comum em grandes obras de construção civil. Esse estudo demonstra como o novo estádio e outros projetos já em curso na região irão causar impacto positivo não só para os moradores locais, mas também para toda a cidade de São Paulo.

O Estudo em resumo

“Somente o turismo com o evento Copa do Mundo trará R$ 1,7 bilhões de movimentação financeira para São Paulo, aproximadamente 7 vezes mais o que a Fórmula 1 gera para a cidade.

Fórmula 1 R$ 250 milhões (850 mil turistas) (140 mil público total)

Fórmula Indy R$ 31 milhões (31 mil turistas) (50 mil público total)

Parada do Orgulho LGBT R$ 196 milhões (400 mil turistas) (3,5 milhões público total)

Novo Estádio de Itaquera com abertura da Copa de 2014 R$ 1,7 bilhão (462 mil turistas) (1 milhão público total)

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *