Remoções no Rio são marcadas pela truculência

11 de agosto de 2011

O engenheiro Eliomar Coelho é vereador pelo PSOL no Rio de Janeiro.

Ele tentou abrir uma CPI para investigar as remoções que precedem as obras da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 201Fracassou, quando vereadores voltaram atrás e retiraram assinaturas.

Eliomar diz que os moradores não são necessariamente contra os megaeventos, apenas querem ser tratados com respeito e receber o que lhes é devido.

Porém, o orçamento das obras é gordo para os empreiteiros e magro para os removidos.

O vereador denuncia que o Executivo municipal — do prefeito Eduardo Paes, do PMDB –, a mídia e o Judiciário estão atropelando ou se omitindo diante do atropelamento dos direitos dos pobres.

Eliomar Coelho deu a entrevista que segue à repórter  Manuela Azenha:

Viomundo – Vocês tentaram instalar a CPI das Remoções mas não conseguiram. O que houve?

Eliomar Coelho – Para a instalação de fato ocorrer teria que ser deferido um requerimento feito à mesa diretora solicitando a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Para nós fazermos essa solicitação, teríamos que colher a assinatura de 17 vereadores, que é o mínimo exigido. Não conseguimos as assinaturas. Foi um trabalho muito árduo. Inclusive, teve um dia em que a representação dessas comunidades que já passaram ou estão previstas para passar pelo problema da remoção estiveram aqui na Câmara e conversaram com os vereadores. Nós conseguimos 15 assinaturas, faltavam quatro. Conseguimos três, ficou faltando mais uma. Estávamos no caminho de conseguir, aí um dos que tinham assinado retirou a assinatura. Isso aconteceu no Congresso Nacional, em relação à CPI que estavam querendo fazer dos Transportes. Parece que virou moda retirar assinaturas e é claro que isso significa uma pressão muito forte por parte do Executivo. Essa é a verdade.

Viomundo – Quem retirou as assinaturas?

Eliomar Coelho – Inicialmente, dois vereadores, que nós conseguimos repor. Mas aí o vereador retirou mais uma vez e praticamente inviabilizou porque você não consegue assinatura de ninguém para que seja aprovada a CPI.

Viomundo – Por que é praticamente impossível conseguir as assinaturas? O problemas das remoções não é um fato?

Eliomar Coelho – É um fato, mas não um consenso (risos). Se você ouve a representação das comunidades removidas ou previstas para serem removidas, eles entendem que se a implementação de um determinado empreendimento é para o desenvolvimento da cidade e a comunidade está sendo um obstáculo para isso, não são contra o empreendimento. O que eles desejam é ser tratados como deveriam ser. Se você mora num determinado local, que é tranquilo, embora simples, onde você tem a sua vivência há muito tempo, e hoje tem o valor de 50 ou 60 mil reais, você pensa o seguinte: para sair de onde estou vivendo bem, teria que me ser oferecido algo nas mesmas ou melhores condições.

Viomundo – Isso é o que a lei diz, né?

Eliomar Coelho – E é o que os moradores querem. O que está acontecendo é uma ação que eu costumo qualificar como perversa, devido à truculência como ela é desenvolvida. Quem tem comandado este infeliz espetáculo é o Executivo municipal, que teria como obrigação exatamente agir em defesa dessas pessoas. Essa é a realidade. O pessoal do Executivo, os empreendedores imobiliários e as empreiteiras são os atores envolvidos diretamente nessa questão. Nós entendemos completamente diferente. É uma via expressa que se pretende se construir, uma trans desta qualquer, então a primeira coisa que se deve definir é um projeto — qual será exatamente o traçado dessa via. Se você tem o traçado, automaticamente, vamos identificar obstáculos. Identificados os obstáculos, vamos tratar de removê-los mas se contém pessoas, seres humanos, vamos tratá-los de forma adequada. É isso que a gente deseja e é o que não está acontecendo.

Há um desrespeito muito grande à cidadania, por serem pessoas de poder aquisitivo baixo. Não é negócio de ouvir falar, porque eu mesmo fui nos lugares. Fomos no Recreio II, onde tinha um casal de idosos que morava há quarenta e tantos anos no local. Quer dizer, tinham uma casa boa. Já tem lá a via, um trabalho de terraplanagem em execução, então a empresa se julga no direito de colocar uma estaca, digamos, numa distância de 3 metros da residência desse casal. Depois pega esse marco e joga mais próximo.

Quando fomos lá, estava encostado na casa e inclusive tinha escrito “+1” em tinta vermelha. A leitura que a gente fez daquilo é que o próximo marco vai para dentro da casa. Perguntamos se alguém havia os procurado para explicar a situação e responderem que não. Essa situação é altamente constrangedora, desrespeitosa e desumana. Um negócio muito cruel. Provavelmente em algum momento vai chegar um preposto do Executivo municipal, da Secretaria Municipal de Habitação, que vai dizer para esse cidadão que a prefeitura pretende fazer aquela obra e a casa dele tem que deixar de existir para dar passagem à construção da via, então terá que indenizá-lo.

O valor da casa é de 60 mil e ele oferece 15 mil reais. Nós encontramos uma senhora que estava morando na rua. Deram-lhe 8 mil reais. O que ela vai fazer com 8 mil reais? Quer dizer, ainda tem isto. Não se consegue saber com clareza quais os critérios adotados para definições dos valores. Tem gente que recebeu 60 mil, 90 mil. Se você não concorda com a proposta oferecida, há uma certa ameaça. É melhor receber, porque senão corre o risco de ficar sem nada. Isso acontece demais, não é um caso aqui e outro lá. Muitas famílias estão passando por esse sofrimento, que chega às raias do desespero. De repente você vê chegar um caminhão na porta de sua casa, entrar guardas municipais, você é parado pela PM, que retira seus móveis, coloca nesse caminhão e muitas vezes você não sabe nem para onde.

Viomundo – Já aconteceu desse obstáculo a alguma obra não ser uma comunidade pobre?

Eliomar Coelho – Foi anunciado em uma matéria que um condomínio de Jacarepaguá, de classe média alta, cada casa valia em torno de 650 mil reais, teria que ser removido. Veja como são as coisas. A matéria tinha uma fala do Eduardo Paes e ele dizia: “Desse caso aí eu vou tratar pessoalmente”.

Viomundo – O senhor disse que é impossível ter critérios precisos para avaliar a casa. Mas o que a lei diz? Como deve ser tratado o morador?

Eliomar Coelho – Nos obstáculos identificados, que são áreas onde existe uma comunidade, há que identificar os moradores [a serem] deslocados e tratar de oferecer como contrapartida à saída dele do local, onde ele vive há muito tempo, outra moradia em condições iguais ou melhores.

Viomundo – O morador teria direito a recusar?

Eliomar Coelho – Sim, mas aí teria que indenizá-lo de acordo com o preço de mercado do imóvel. No Brasil vivemos uma situação em que parece que tudo está sobrevalorizado quando se trata de obra pública. Talvez esteja aí a matriz da corrupção que grassa no nosso país. Por que, quando é uma população de baixa renda, você subvaloriza? Por que esse disparate? Onde está essa justificativa?

Viomundo – O que essas pessoas podem fazer para resistir a isso?

Eliomar Coelho – Elas tem se organizado em grupos para constituir uma resistência e buscar a garantia de seus direitos como cidadãos. Saem procurando a defensoria pública, o Ministério Publico.

Infelizmente, nada disso tem adiantado porque no fundo, a primeira coisa que se procura é ter um contato com o Executivo municipal, já que ele é que está à frente desse tipo de ação. Quando você tenta fazer isso, não é recebido por nenhum órgão. Não é recebido pelo secretario de habitação ou pelo prefeito. Então você vai para a defensoria. A defensoria era formada por um grupo de jovens que realmente comprou essa briga e, por conta de pressões, provavelmente, de repente mudaram as coisas. O grupo foi desmobilizado e desviado destas áreas onde eles atuavam, no sentido de desconstruir um elemento importante de apoio aos movimentos de resistência. Tem se buscado contato com órgãos internacionais, tipo Anistia Internacional, que esteve no Rio de Janeiro. Fizeram uma reunião com as comunidades. De um lado você tem os poderosos grupos econômicos numa aliança com a mídia, os governantes e a maior parte do poder judiciário, de maneira que fica o David e o Golias nesse embate.

Viomundo – A Raquel Rolnik veio aqui, escreveu a carta de alegação [ao governo brasileiro] e até hoje não teve resposta. O senhor tentou abrir a CPI e não conseguiu. É tarde demais para reverter essa situação?

Eliomar Coelho – A gente não consegue, as coisas são muito bem costuradas aqui na casa. É uma reprodução daquilo que a gente infelizmente assiste na política que se faz nesse país. Teve alegação de uma vereadora, Tânia Bastos, dizendo que ela assinou porque não sabia o que estava assinando. Normalmente, quando vamos coletar as assinaturas, explicamos qual é o objeto daquilo ali. Mas neste caso eu fui além. Fiz um pronunciamento na tribuna, explicando porque que eu estava querendo instalar a CPI. Eu elenquei todas as razões. Quando eu mostrava o requerimento para pedir assinatura, tinha duas ou três páginas de motivos que fundamentavam o pedido da CPI.

Viomundo – Ela assinar algo sem saber já seria um absurdo, de qualquer maneira.

Eliomar Coelho – Ah, mas isso é comum, devido à pobreza da qual essa casa está sendo vítima. Muitas pessoas despreparadas, que não sabem qual é a função de um vereador, que não tem nenhum compromisso com a cidade e nem com os moradores. Não é à toa que existe essa atitude generalizada de desesperança.

Viomundo – As remoções já aconteceram outras vezes no Rio de Janeiro, para os Jogos Panamericanos, por exemplo…

Eliomar Coelho – Isso acontece por causa de um modelo de administração adotado no Rio de Janeiro que segue fielmente o receituário neoliberal, onde a cidade deve ser o espaço de convivência dos ricos, poderosos e das elites. Quem não for isso, não tem direito de morar na cidade. Tem um modelo e a expressão maior dele é Barcelona, considerado um modelo de sucesso.

Os responsáveis pelo projeto de Barcelona “a posteriori” se tornaram consultores e saíram vendendo esse modelo. O Rio de Janeiro adotou isso por conta de concepção de cidade que tem na cabeça do atual prefeito. Quando contam a história de Barcelona, não contam desde o início. Desde o início, o projeto era voltado para fazer intervenções urbanas na cidade de Barcelona que melhorassem a qualidade de vida da população de Barcelona, principalmente das populações pobres.

A primeira intervenção que aconteceu em Barcelona teve esses pressupostos e foram colocados em prática. Em 1975 morre o Franco, em 1979 tem as primeiras eleições e quem passa a administrar Barcelona são lideranças progressistas, que vinham de movimentos de luta pela democratização da Espanha. Primeiro, houve esse movimento de valorização do patrimônio artístico e cultural da cidade, onde você procura construir moradias para eliminação do déficit habitacional, moradias de amparo social. Mas, logo em seguida, começa a prevalência dos empreendedores, dos promotores imobiliários. Aquilo que eram casas de população de baixa renda, começou a deixar de ter essa destinação, passaram para outro estrato social, para classe média, classe média alta. Começou a ter outro rumo, prevalecia o turismo, fazer resorts, shopping centers, que vem com esse processo de globalização, onde o capital comanda o espetáculo.

Viomundo – Existe um discurso de que sediar esses megaeventos traz desenvolvimento. O senhor concorda com isso?

Eliomar Coelho – Não, isso não corresponde à verdade. Ou então podemos dizer, desenvolvimento para quem, cara pálida? O próprio relatório feito pela Raquel Rolnik, sob encomenda da ONU, diz que até agora as cidades que acolheram megaeventos não tiveram ganhos sociais. E, por incrível que pareça, na mesma época economistas fizeram um trabalho semelhante, que inclusive foi divulgado pelo FMI [Fundo Monetário Internacional], mostrando que também não tem ganhos econômicos.

Dizem que nessas cidades sede as construções e vias que ficam dos megaeventos seriam feitas com um custo bem menor, se fossem feitas sem a justificativa dos megaeventos. Se você pegar esse trio, de empreiteiras, especuladores imobiliários e incorporadores imobiliários, esses aí saem ganhando. Mas a cidade não ganha nada, a população não ganha nada. Para os jogos Panamericanos e Parapanamericanos, nós fizemos durante cinco anos o acompanhamento dos recursos apostos nas rubricas destinadas para a organização e realização desses jogos . Vimos que várias despesas nas áreas de educação e saúde foram reduzidas, ao mesmo tempo em que a verba para o Pan 2007 aumentava. Não era uma transferência direta, mas detectamos essa “coincidência” na execução orçamentária.

 

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