Eduardo Sá
08 de julho de 2011
O Maracanã, desde sua inauguração, é um dos espaços mais frequentados pelos cariocas. Em 1950, quando foi construído, em algumas partidas chegava a quase 200 mil pessoas o público que ia ao seu espetáculo. Hoje, em reforma para a Copa de 2014, a previsão é de que em dezembro de 2012, data de entrega do projeto, sua capacidade chegue a 80 mil. Apresentado ao Tribunal de Contas da União (TCU) em meados de maio, o orçamento das obras ficou em quase R$ 1 bilhão, praticamente o dobro do projeto original. E não esqueçamos a reforma para a realização dos jogos Panamericanos em 2007, que custou aos cofres públicos nada menos que aproximadamente R$ 200 milhões. Tudo jogado no lixo, ou nos bolsos de uma minoria privilegiada e corrupta.
Além dos recursos estaduais, o financiamento está sendo realizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), ou seja, dos nossos bolsos. As empreiteiras responsáveis, cujo consórcio é capitaneado pela Odebrecht, agradecem. Além da Odebrecht, estão a Andrade Gutierrez e a Delta. Esta, por sinal, bem próxima do nosso governador, como, lamentavelmente, ficou evidente com a queda de um helicóptero – emprestado pelo empresário Eike Batista, 8˚ mais rico do mundo – que resultou na morte da namorada do filho do Sérgio Cabral voltando da Bahia. Foi preciso uma tragédia para trazer à tona a óbvia promiscuidade entre o público e o privado: nossos governantes e os grandes empresários, sobretudo das empreiteiras. Depois de pronto, todo o equipamento será gerido pelo setor privado. Se essas relações facilitaram a licitação do projeto para o Maracanã, é uma boa pergunta.
“Muitos falam que o Maracanã está destruído, mas não é verdade. Prefiro dizer que estamos reconstruindo a história, escrevendo mais um capítulo de sucesso desse estádio que completa hoje 61 anos de vida”, disse neste mês Márcia Lins, secretária estadual de Esporte, Lazer e Turismo.
Visitar o Maracanã hoje é de dar dó no coração a quem já viu sua arquibancada pipocando de emoção: energia simplesmente inexplicável, e literalmente popular. Cerca de 90% de seu interior está totalmente demolido, e o seu tombamento já foi pro beleléu. É tanto interesse e dinheiro envolvido que o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) fez suas concessões, alegando que não vai descaracterizar a estrutura atual. Os camarotes vão aumentar, claro, e teremos agora mais de 300 câmeras internas para nossa segurança. Coisa de primeiro mundo.
E em nenhum momento houve uma consulta pública sobre as obras, a sociedade não teve voz: resolveram que assim seria melhor para os cariocas e brasileiros e ponto final. Criaram no ano passado a Associação Nacional dos Torcedores (ANT) para resistir a essas maracutais no meio futebolístico, mas pouco adiantou até então. Já imaginaram quanto vai custar aos torcedores o ingresso dos jogos depois das obras, por exemplo? Os verdadeiros beneficiados com essa reforma, para variar, serão as grandes empresas e a nossa elite, a única em condições de pagar pelo serviço de “primeiro mundo” que será oferecido.
Meio século depois podemos ver que o Maracanã acolhe menos da metade da sua capacidade original, com o ingresso relativamente mais caro e o índice de violência ao seu redor só piorou com o passar dos anos. Por outro lado, é curioso o desrespeito à singularidade dos torcedores e à paixão que o povo tem pelo futebol, aliás reconhecido internacionalmente e setor muito rentável ao país. Desrespeito porque o Maracanã é um reduto de manifestação da cultura popular se compararmos, por exemplo, às torcidas da Europa que são compostas majoritariamente por pessoas da classe média nas arquibancadas. No Rio, cada uma faz sua festa à sua maneira, e precisa de espaço para isso. Só a torcida do Flamengo tem condições de lotar o anel do Maracanã sozinha.
Normas são industrializadas Europa afora, ditadas pela FIFA – esta, aliás, com uma CPI a sua espreita, assim como a CBF – e o Comitê Olímpico Internacional (COI) em nome da segurança, e emplacadas aqui como se os problemas fossem gerados do estádio para fora e não o contrário. A geral, cujos ingressos eram os mais baratos do Maracanã, foi extinta. O torcedor geraldino era um ícone do estádio, quantos não só pelo preço optaram em ver o jogo naquela muvuca contagiante? Essas histórias foram solenemente ignoradas. Afinal, segundo os reis do futebol, ver o jogo sentado e com “bons modos” é coisa de primeiro mundo, apesar da sua característica popular por aqui. No Engenhão, por exemplo, principal estádio carioca atualmente, existem barras de segurança coladas às cadeiras, fazendo com que os torcedores sejam praticamente obrigados a ver o jogo sentados. As torcidas do sul que comemoram o gol fazendo uma espécie de avalanche não podem manifestar sua cultura em tal estrutura, somente na pequena área reservada atrás do gol, com uma visão desprivilegiada. Daqui a pouco estão proibindo de falar palavrão, coisa de primeiro mundo.
A descaracterização em nome da padronização segue e se esquecem que os principais agentes que fazem essa indústria funcionar/lucrar, os jogadores, são também de origem pobre igual à grande maioria da torcida, cada vez mais excluída. Vemos filas imensas para comprar os ingressos onde os torcedores além de perderem horas do seu dia, quando conseguem, muitas vezes estão sujeitos a repressões em meio a tumultos gerados por falta de organização; os cambistas e “clientelistas” nos bastidores dos clubes e empresas afins proliferam paralelamente. Com o advento da venda de ingressos pela internet, a situação ficou mais excludente, pois sua lógica pressupõe que todos tenham livre acesso ao meio virtual. Mas a realidade, infelizmente, é bem diferente. A BWA, por sua vez, empresa de tecnologia do Ingresso Fácil em todo o país, já foi alvo investigação numa CPI do futebol brasileiro.
Sabemos que a maioria do povo vai continuar indo aos jogos fazendo suas economias e sacrifícios por uma das poucas coisas que os divertem e os incluem socialmente, mesmo que por pouco tempo, enquanto outros se conformarão à restrição lendo apenas as manchetes nas bancas dos jornais no dia seguinte. Ou lotando os botecos nas esquinas, que têm assinado os jogos da pay per view para chamar a clientela. E toma-lhe dinheiro para a TV em assinatura, às custas dos torcedores e do espetáculo.
Mais uma vez o povo será explorado, e naquilo que lhe serve de escape a todas as dificuldades que enfrenta dia-a-dia. O futebol, apesar de novo no Brasil, já está enraizado na nossa cultura. E parece que esse valor no jogo é sempre goleado pelo valor econômico, apesar de estar na boca do povo, nas esquinas, entre os vizinhos, e ser um tema que integra a sociabilidade carioca e brasileira.
Como será até ou depois da Copa de 2014 pelo andar da carruagem? Ingressos serão vendidos aos olhos da cara somente aos conchavos, afortunados ou sortudos das filas quilométricas? Nisso tudo os canais da TV, principalmente os por assinatura, só têm a superfaturar com uma indústria do futebol cada vez mais reservada à elite e seus cupinchas.
Fonte: Fazendo Media
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