Jogos Olímpicos de 2018 em Annecy: a grande trapaça

Sophie Chapelle para o Basta!

06 de julho de 2011

O Comitê Internacional Olímpico (CIO) escolherá neste 6 de Julho a cidade
que vai sediar os Jogos Olímpicos de inverno de 2018. Do lado francês,
vale tudo para ostentar os méritos de Annecy e impor os Jogos a saboianos
reticentes:da mobilização nas cantinas escolares, passando pela ausência
de consultas públicas, direitos trabalhistas postos de lado, investimentos
exagerados com impactos econômicos e ambientais desastrosos, contratos
que garantem total impunidade ao CIO e seus patrocinadores ?

basta!  revela os bastidores de um espírito olímpico que não tem
nada de esportivo.

Para Nicolas Sarkozy, o UMP [N.T.: partido de Sarkozy] deve estar por trás da candidatura de Annecy
aos Jogos Olímpicos de inverno de 2018. Custe o que custar. Depois do anúncio,
em dezembro de 2010, da demissão do diretor geral do comitê da candidatura,
Edgar Grospiron [N.T.: Edgar Grospiron foi também campeão olímpico de ski em 1992], que
se queixava de um orçamento muito minguado, o ministro dos esportes decidiu
acompanhar o caso de perto. Nomeou um novo diretor cujo nome é bem conhecido
no meio das finanças, Charles Beigbeder, CEO da Poweo (fornecedora de gás
e eletricidade). De esporte ele não conhece grande coisa, mas isso não
tem problema. Antigo candidato à presidência do Medef  [N.T.: a maior organização patronal da França], o homem de negócios
iria se cercar de lobistas e marketeiros para tentar recuperar o atraso
da candidatura de Annecy em face de seus outros dois concorrentes, Munique,
na Alemanha, e Pyongyang, na Coréia do Sul. O orçamento da candidatura
explodiu: de iniciais 18 milhões de euros, passou para atuais 30 milhões,
dos quais a maior parte é destinada à comunicação e ao marketing.

Pelo menos 600.000 euros foram destinados à criação de um filme de uma
dezena de minutos para ser exibido perante os membros do Comitê Olímpico
Internacional em 6 de julho, momentos antes de darem o seu voto. ? bom
tomar todas as medidas, e isso inclui a mobilização de crianças: a guerra
de opinião estende-se até às cantinas escolares de Annecy, onde 100.000
calculadoras e 50.000 brochuras com as cores dos Jogos foram distribuídos.
A visita dos membros da comissão de avaliação do CIO em fevereiro deste
ano custou, por baixo, 2,5 milhões de euros. Nessa ocasião, uma boa parte
do governo se deslocou para lá. Visita após visita, o Primeiro Ministro
François Fillon, depois Christine Lagarde, Brice Hortefeux, Frédéric Lefebvre,
François Baroin e Chantal Jouanno se revezavam na exposição dos trunfos
da candidatura francesa. Todos falavam de autenticidade? e de desenvolvimento sustentável?, as pedras angulares do projeto.

Uma candidatura da Saboia sem os saboianos

Um ligeiro problema: não existem provas de que  Annecy ou a
Alta Saboia apóiem os Jogos Olímpicos. Há tempos atrás, as mídias
nacionais foram embaladas por açucaradas pesquisas que atestavam um
imenso fervor popular? suscitado pela candidatura. A
pesquisa de opinião realizada pelo CIO em dezembro de 2010 é
menos lírica: somente 51% dos habitantes de Annecy são favoráveis aos Jogos,
contra 32% de opositores e 17% de indecisos. Resultados pouco lisonjeiros
quando comparados aos de Munique (60% a favor, 15% contra) e, sobretudo,
aos de Pyongyang (92% a favor, 2% contra). O frágil placar de Annecy traduz
o ceticismo crescente em relação a um evento considerado por muitos como
supérfluo. Para o prefeito de Annecy, Jean-Luc Rigault (partido Novo Centro),
esses resultados são fruto de uma operação de desestabilização conduzida
pela extrema esquerda?. Os perigoso esquerdistas são o
CAO, um comitê anti-olimpíada criado em janeiro de 2009, reunindo
associações ambientais, partidos políticos e cidadãos. Munidos de galhardetes,
panfletos, buzinas e sinetes de bois, eles recolheram mais de 16.000 assinaturas
para dizer não aos Jogos Olímpicos de Annecy 2018?.

Entre os signatários, muitos consideram que o dinheiro orçado 4,8 milhões
de euros, caso Annecy seja escolhida pelo CIO poderia ser melhor utilizado
para outros fins. Ainda mais considerando que esse tipo de estimativa de
gastos é frequentemente subestimada. Em Atenas, em 2004, os Jogos custaram
em torno de 9 milhões de euros, em vez dos 4,5 milhões previstos. O custo
previsto dos Jogos de Londres em 2014 já quase quadruplicou. Os habitantes
de Grenoble tiveram que pagar a fatura dos Jogos de 1968 durante 27 anos,
sob a forma de impostos suplementares impostos multiplicados por 2,4,
até 1995. ?queles que temem um custo econômico elevado para a região, Charles
Beigbeder promete a criação, na Alta Saboia, de 10.000 a 35.000 empregos?. Albertville [N.T.: sede dos Jogos de Inverno de 1992],? retrucam
os membros do CAO, representou um déficit de 115 milhões de euros e a falência de 550 empreendimentos
de artesanato.? Na Câmara de Comércio de Chambéry, Bernard Delcroix
reconhece que o evento foi grandioso demais para a Saboia e seus pequenos e médios empresários,
que não puderam obter benefícios diretos.? Grande parte da atividade
suscitada pelos Jogos, caso Annecy seja eleita, terá curta duração.

Lá onde o CIO se instala, os direitos trabalhistas falecem

Pior, os empregos a serem gerados, aos quais Beigbeder fez referência,
serão regidos sob a égide de um contrato não negociável, o contrato da vila olímpica?, a ser assinado pela comunidade escolhida,
o Comitê Olímpico Nacional e o CIO. Escrito já na primeira página, o CIO
se reserva o direito de modificar todo, ou parte do contrato unilateralmente
? Mais além, no item 11, ficamos sabendo que todas as pessoas de posse de um crachá de identificação e credenciamento
olímpico ficarão livres de todas as limitações ou restrições relativas
à regulamentação do trabalho (salário, quantidade de horas etc) no país
anfitrião, para toda a atividade profissional conduzida por elas, relacionada
aos Jogos naquele período.? Lá onde o espírito olímpico se instala,
joga-se fora qualquer referência aos direitos trabalhistas (lembremos dos

Jogos de Pequim
).

O respeito aos código públicos de contratação também foi esquecido: O Comitê de organização dos Jogos Olímpicos, a Vila e o Comitê Nacional
Olímpico se reservam o direito de satisfazer todas as suas necessidades
em produtos e serviços que se encaixem nas categorias de produtos/serviços
dos patrocinadores do programa internacional,  recorrendo aos patrocinadores
correspondentes do citado programa Esses fornecedores oficiais e
obrigatórios são McDonalds, Coca e Samsung. Além disso, no contrato com
a vila organizadora, o CIO e seus patrocinadores prevêem uma verdadeira
cláusula de impunidade contra qualquer ação na justiça ou prejuízo.

Item 9 Indenização pela Vila, o Comitê Nacional Olímpico e o COJO: A
Vila, o CNO e o COJO deverão em todas as circunstâncias indenizar, defender, proteger e isentar o CIO, os serviços
de televisão e de marketing do CIO, o ORTO tal qual definido na seção 55(a)
abaixo, e seus responsáveis, membros, diretores, empregados, consultores,
agentes, mandatários, contratantes (por exemplo, patrocinadores, fornecedores,
detentores de licenças e distribuidores olímpicos) e outros representantes
respectivos (separadamente uma pessoa lesada do CIO? e coletivamente pessoas
lesadas do CIO?), de qualquer pagamento e outras obrigações por quaisquer danos, exigências,
reclamações, ações na justiça, perdas, custos, despesas (honorários e taxas
advocatícias externas incluídas) e/ou responsabilidades de toda a natureza
(responsabilidade civil frente a pessoas ou a propriedades)

diretas ou indiretas

Assim se previnem de eventuais irritações dos autóctones frente ao efêmero
invasor. Os espaços públicos serão, por exemplo, colocados sem reserva à disposição do Comitê de organização dos JO?
durante toda a duração do evento. Dessa forma, as vias de acesso reservadas
ao público, aos esportistas e à mídia, serão requisitados durante quinze
horas por dia, a fim de garantir de toda a forma esse pequeno mundo que
cerca as provas olímpicas. Os jogos pretensamente sempre mais verdes?, mas não para todos.

Democracia ultrajada

Os habitantes de Annecy descobriram tardiamente os impactos de tal candidatura.
Foi somente em fevereiro que ficaram sabendo que o Pâquier, um grande espaço
verde ao redor do lago de Annecy, será tornado inacessível durante um ano,
recoberto por um teatro de cerimônias de 42.000 lugares. Tarde de mais
para demonstrar preocupações. A documentação será tornada pública uma vez que ela tenha sido entregue
ao CIO sem possibilidade de revisão?, testemunha um conselheiro municipal
da oposição. Os defensores da candidatura começaram por fazer votar o apoio
das coletividades locais, antes de informar os cidadãos. Mesmo os eleitos
locais denunciam um problema de transparência democrática.? O conselho municipal,
por exemplo, foi convidado a se manifestar sobre as garantias e os compromissos
de uma documentação técnica do qual eles não conheciam o teor preciso.
Tanto que o documento enviado para guarda do CIO em Lausanne em 11 de janeiro
só foi levado ao conhecimento dos conselheiros municipais de Annecy no
dia seguinte! Os eleitos do conselho regional conseguiram obter um exemplar
no dia 10 de janeiro à noite, atraso que tornou difícil um exame mais aprofundado
dessa volumosa documentação técnica.

A oposição municipal pediu em várias ocasiões que fosse feito um referendo
sobre a candidatura de Annecy aos JO. Uma idéia imediatamente descartada
pelo prefeito Jean-Luc Rigaut. Fazemos um referendo quando ainda temos meios de dizer sim ou não. Mas
agora já estamos comprometidos.? Será que ele temia uma reprise de
Denver? Em 1972, um referendo municipal para definir a participação da
cidade na candidatura aos jogos de inverno de 1976 viu uma larga vitória
do não?. Nos Alpes, foram os referendos locais que definiram a retirada
das candidaturas de Aosta, Val Gradena, Lech AM Arlberg, Obergoms e Oberland
Bernese. Em Innsbruck, na Áustria, que acolheu à última hora os JO de 1976,
70% dos habitantes recusaram a organização dos Jogos de 2002.

Jogos Olímpicos verdes? Isso não existe!?

Em Annecy, foram as associações ambientais inicialmente associadas à candidatura
que acabaram por bater a porta. Em janeiro, a CIPRA (Comissão Internacional
de Prevenção dos Alpes) abandonou o Conselho de orientação de desenvolvimento
sustentável e ambiental da candidatura,
denunciando um mercado de patinhos?. Ao lado da France Nature Environment e da
FRAPNA (Federação Rhône-Alpes de Proteção à Natureza), a CIPRA critica
o impacto ambiental do projeto, largamente, voluntariamente, sub-estimado.?
As dificuldades de fornecimento de água potável fazem parte das reclamações.
A programação das provas de ski estilo livre sobre o platô de Semnoz, que
culmina a apenas 1.600 metros, torna os
canhões de neve inevitáveis. O advento de infraestruturas inúteis
como o anel de velocidade 84 milhões de euros ou os trampolins de salto
de ski 19 milhões de euros, levanta dúvidas. O CIO coloca as exigências,
impondo dois alojamentos por atleta, um na planície e outro na estação.
No total, a vila deve ser capaz de fornecer cerca de 23.000 quartos em
hotéis de 3 a 5 estrelas, mesmo que hoje Annecy não possua mais do que
4.100.

A obsolescência programada

Turin está em boas condições de testemunhar os impactos desastrosos dos
jogos, cinco anos após tê-los organizado. As instalações de esporte alpino
que custaram muitos milhões de euros e a necessidade de desflorestamento
de metade de uma montanha estão hoje abandonadas. O grande hotel de 120
quartos construído ao pé das instalações está fechado. Para o CAO, esses
Jogos são ainda um pretexto para impor aos habitantes de Annecy projetos altamente contestáveis.?
Na linha de mira, o túnel sob o
Semnoz, 12 km perfurados sob a montanha para desviar o fluxo de veículos
e evitar o centro de Annecy. Esse projeto permitiria também a edificação
da fenda alpina?, um eixo de urbanização contínua de 220 km entre Genebra
e Valença. No horizonte, mais auto-estradas, túneis e terras aráveis asfaltadas.
Que bom para as empreiteiras!

? véspera do veredito final, a ser oficializado em 6 de julho em Durban,
na África do Sul, o destino de Annecy é, de agora em diante, definido nas
altas esferas do CIO. Nas ruas de Annecy, um novo slogan vai, de agora
em diante, de vento em popa: menos alto, menos rápido, menos forte?.

Traduzido por Gustavo Lapido Loureiro

Fonte:
Matutei

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