Carta aberta ao Governador de São Paulo sobre o Trecho Norte do Rodoanel

“Senhor Governador,

Relativamente ao Projeto Rodoanel – Trecho Norte, algumas considerações

se impõem:

Justificativas do Governo do Estado

a) O projeto Rodoanel foi concebido com a justificativa de interligar
as rodovias que circulam a cidade. Os documentos oficiais da DERSA e do
Governo do Estado de São Paulo afirmam categoricamente que o objetivo é
eliminar o trânsito de passagem os caminhões que atravessam a cidade
para chegar aos seus destinos e provocam congestionamentos.

b) O Rodoanel é um grande exemplo de como conciliar obras de infraestrutura
urbana com a melhoria da qualidade de vida, e a preservação ambiental.
O projeto e a execução são baseados em três pontos: qualidade da obra,
programas de reassentamento e programas ambientais.

 

Falta de Comunicação

A despeito dos argumentos acima, expostos com exaustão pelos técnicos
da DERSA e do Governo do Estado, nas audiências realizadas, não há documentos
oficiais que comprovem a concretização dos objetivos pretendidos e por
eles mesmos expostos.

Há completa falta de comunicação entre o Governo do Estado, Prefeitura
do Município de São Paulo, Sub-Prefeituras e as comunidades que serão impactadas.
Para completar, não foi proposto um sistema participativo para que a população
possa opinar e trazer, em tempo hábil, suas sugestões e contribuições.
O Governo do Estado de São Paulo executa o projeto num processo unilateral,
demonstrando descaso em relação aos demais agentes interessados no tema.

 

Questões Ambientais

Importa considerar que a Serra da Cantareira abrange os municípios de
São Paulo, Guarulhos, Mairiporã e Caieiras e apresenta importantíssimo
remanescente de Mata Atlântica, sendo considerada uma das mais importantes
florestas nativas do mundo. Em sua encosta sul está instalado o Parque
Estadual da Cantareira. A importância ecossistêmica da região fez com ela
fosse declarada pela UNESCO parte integrante da Reserva da Biosfera do
Cinturão Verde de São Paulo (extraído do Inquérito civil, portaria n. 519/10).

A Lei Federal que implantou a Política Nacional sobre Mudança do Clima
(Lei 12.187/09) prevê, dentre outros, em seu artigo 4°, a preservação,
a conservação e a recuperação dos recursos ambientais, com particular atenção
aos grandes biomas naturais tidos como Patrimônio Nacional, dentre eles,
claramente a Mata Atlântica. Por sua vez, a Lei Estadual que estabelece
a Política Estadual de Mudanças Climáticas (Lei 13.798), prevê, no artigo
16, XXIV, que as Políticas públicas deverão priorizar o transporte sustentável,
no sentido de minimizar as emissões de gases de efeito estufa, atendendo,
dentre outros fins e exigências, a proteção da cobertura vegetal existente.
(extraído do Inquérito civil, portaria n. 519/10)

A política de transportes da área, deve prever a sustentabilidade da mobilidade
e equilíbrio ambiental, privilegiando as linhas cicloviárias e o metrô.
Além disso as Leis municipais preveem os Estudos de Impacto de Vizinhança
em qualquer obra feita na cidade, e o município é responsável pelo licenciamento.
No momento o município tem passado por cima destas leis, fazendo com que
a responsabilidade do empreendimento seja toda do Governo do Estado, largando
à deriva o cidadão e o meio ambiente. Como se sabe, a qualidade ambiental
está diretamente relacionada à ampliação das opções de transporte coletivo
de alta capacidade como metrô, trens e corredores de ônibus, de forma a
evitar a geração de viagens por automóveis e reduzir os riscos de poluição
do ar.

 

A preocupação com as desapropriações

Apesar da gravidade das questões ambientais suscitadas, o Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) e o seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA)
não explicitam quais serão os impactos reais que sofrerão os moradores,
comerciantes e os equipamentos públicos das regiões presentes na área de
domínio do Rodoanel. Como justificativa para essa falta de transparência,
o Governo do Estado afirma que este não é momento para que sejam detalhadas
essas questões, embora se saiba que, apesar de a obra não ser ainda licenciada,
o Governo do Estado já escolheu o traçado.

 

A preocupação com o traçado apresentado

O traçado apresentado ao sul da Cantareira nos preocupa. Se o Rodoanel
tem como objetivo eliminar o trânsito de passagem, por que foi escolhido
um traçado tão próximo da malha urbana. Além disso, faltam estudos atualizados
dos processos locais de expansão urbana, essenciais para a definição do
traçado, pois áreas consideradas irregulares hoje estão em processo de
regularização e altamente adensadas, podendo alterar, em muito, aspectos
como remoção e reassentamento.

Qual é o real objetivo dos acessos a Inajar de Souza e Raimundo Pereira
de Magalhães. Os entornos dessas duas avenidas já são densamente povoados
e elas representam duas importantes vias da cidade. A construção desses
troncos fará com que elas se transformem em rota de fuga das marginais,
transformando o Rodoanel em uma avenida para o trânsito da capital. O Governo
do Estado mostra, com a colocação desses acessos, uma preocupação elitista,
priorizando os carros em detrimento do transporte público e sem cumprir
o objetivo de retirar os caminhões da Cidade de São Paulo.

 

A Qualificação Urbana

Preocupa-nos segmentação dos bairros em dois pelas pistas do Rodoanel.
Comunidades inteiras serão divididas pela estrada numa lógica de exclusão
e segregação dos equipamentos públicos e das relações sociais entre os
moradores. Faltam, também, estudos aprofundados e atualizados sobre adensamento
populacional e sobre condições de convivência pré-existentes dessas comunidades,
que levariam a maior adequação das ações de remoção e reassentamento.

 

Exigimos e queremos do Governo do Estado de São Paulo:

a) um novo traçado para o trecho norte que proporcione menor impacto ambiental
e social.

b) respostas às indagações já apresentadas tanto nas Audiências como nos
vários pedidos de informações protocolados junto à DERSA e realizados pelos
inúmeros agrupamentos de representação social, os quais, infelizmente,
não foram satisfatoriamente respondidos;

c) Transparência: a população deve ter total acesso aos estudos já realizados
e àqueles que serão produzidos; deve participar ativamente , das etapas
finais de planejamento, das fases pré-construtiva e de construção, tendo
voz assegurada e considerada.

c) Prorrogação para os prazos de licenciamento do trecho Norte do Rodoanel,
a fim de que as comunidades envolvidas possam dialogar de maneira democrática
e participativa (através de um modelo diferente das audiências públicas
já realizadas) sobre a importância e os impactos dessa obra. Ressalte-se
e registre-se que não somos contra o Rodoanel e muito menos contrários
ao desenvolvimento econômico, mas acreditamos que a proteção do meio ambiente
e a inclusão social devem ser prioritariamente resguardadas e isso passa,
necessariamente, pela escolha do melhor traçado para o anel rodoviário.

d) Resposta por escrito aos questionamentos expostos nesta Carta Aberta.

e) A apresentação de um plano de reassentamento para as famílias e segmentos
populacionais atingidos, um projeto de moradia completo que mostre, inclusive,
onde serão feitas as unidades habitacionais e os prazos de entrega que
deverão ser definidos concomitantemente à execução da obra. O Governo do
Estado deve apresentar claramente os valores das cartas de crédito. Deve
garantir o reassentamento da população em regiões próximas às áreas atuais
de moradia, reduzindo o impacto nas redes sociais já estabelecidas por
essa população, inclusive quanto a novos custos de deslocamento para trabalho,
escola e serviços de saúde. Caso não seja possível esta adequação a população
deverá receber justa compensação financeira.

f) Um programa claro de compensação para os casos de segmentação de bairros,
inclusive no que diz respeito a isolamento acústico e demais providências
necessárias para minimizar efeitos nocivos do impacto sócio-ambiental.
A população afetada indiretamente também deverá ser informada do projeto
e de seus direitos e as restrições de acesso deverão ser consideradas para
fins de compensação.

g) Um projeto claro de melhoria para as comunidades. O discurso que prevê
desenvolvimento econômico como conseqüência do empreendimento deve ser
acompanhado por um programa transparente de melhoria da qualidade de vida,
através de um planejamento urbanístico para a implementação de praças,
áreas verdes, infraestrutura, aumento dos equipamentos públicos e regularização
fundiária. Exigimos também um plano de urbanização e moradia para a população
do entorno que mora em áreas de risco

h) Deve ser feito um cadastro de grupos em condição de vulnerabilidade,
idosos e deficientes físicos e mentais, bem como pessoas em tratamento
de saúde, para que no processo de remoção estas pessoas recebam atendimento
diferenciado e possam manter a rede de assistência atual, bem como para
serem beneficiadas por unidades habitacionais adaptadas para suas necessidades
específicas.”


FÓRUM CONTRA O TRAÇADO DO RODOANEL TRECHO NORTE

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