Os megaeventos e a lógica de construção das cidades

O seminário “Impactos urbanos e violações de direitos humanos nos megaeventos esportivos” continuou no turno da noite com a mesa sobre “Megaeventos esportivos e globalização”. O pesquisador John Horne, da University of Central Lancashire, a partir do poema de Bertold Brecht “Quem faz a história”, cujo verso inicial é “Quem construiu a Tebas das sete portas?”, chamou atenção ao fato de que, muitas vezes, ao falar de megaeventos esportivos lembra-se apenas das estrelas do esporte e esquece-se dos trabalhadores que dedicaram esforço físico e humano à construção do evento.

Para Horn, a realização de megaeventos diz muito sobre as relações de poder – inclusive de poder simbólico – e é preciso reconhecer que não é possível impedir a realização destes eventos. “A população quer, sim, ver as estrelas do esporte em seu país. Precisamos reconhecer que estamos diante de uma batalha simbólica, que envolve a disputa de corações e mentes”.

Em seguida, o professor da UFRJ Carlos Vainer destacou dois aspectos relacionados à realização dos megaeventos: a campanha de desinformação como prática sistemática e a manipulação do amor das pessoas por suas cidades, o que “nos impede de ver o que estão fazendo com nossa cidade”. Para ele, em situações como essa, cresce o papel dos intelectuais, militantes e profissionais que resistem à desinformação e à manipulação.

Vainer resgatou a história de um processo que teve início nos anos 1990 com a elaboração do 1º Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro, que contou com consultoria de origem catalã. Segundo ele, a concepção de cidade que subjaz a esse processo é a da cidade-empresa, baseada em princípios como o da flexibilidade. “A principal característica do urbanismo pós-moderno é a suspensão das regras gerais para dar lugar a soluções caso a caso. Isso porque a cidade-empresa precisa ser capaz de aproveitar todas as oportunidades de negócio”.

Segundo Vainer, os consultores catalães chegam a sugerir o fim dos partidos políticos nas cidades, já que o modelo de democracia baseado na disputa eleitoral por partidos não combina com a emergência dessa cidade-empresa. “As decisões sobre o que será feito na cidade são deixadas para as parcerias público-privadas. Elas não mais ocorrem no parlamento, na democracia representativa burguesa. Ou seja, estamos diante de uma ditadura direta do capital”.

Para o pesquisador, estamos diante de um regime urbano que precisa de um sistema de suspensão das leis para que os negócios se realizem. “E a cidade de exceção é a forma política sob a qual se instala esse processo”. Para ele, a realização de megaeventos é o momento no qual a cidade de exceção se realiza de forma plena. Vainer concluiu sua fala afirmando que a luta democrática que parecia vitoriosa, na verdade, está apenas começando.

Em seguida, falou a professora da FAU-USP e relatora da ONU para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik. Ela destacou o processo de inserção ambígua das populações mais vulneráveis nas cidades, a partir do qual elas se instalaram de forma precária e improvisada. “Isso significou um modelo bastante funcional na medida em que permitiu a inserção de um exército de reserva sem custos para o capital”, disse Raquel. Esta questão, segundo a professora, está no centro das violações de direitos.

Para ela, a luta da população por moradia adequada ganhou materialidade e se configurou na Constituição Federal a partir do reconhecimento do direito de existência desses assentamentos informais e de que sua população seja tratada como cidadãos plenos de direito. Com a universalidade do voto, esses locais ganharam relevância no processo eleitoral e “com isso, cada vez mais, dentro do espectro eleitoral-partidário os investimentos em urbanização passaram a ser uma moeda importante na conquista de votos”, afirmou Raquel. Não por acaso, segundo ela, a ruptura desse processo nunca ocorreu.

Segundo a professora, isso permite que, ao mesmo tempo em que os direitos são reconhecidos, eles possam ser desconfigurados no momento em que se julgue possível e necessário fazê-lo.
Para Raquel, esse processo não está acontecendo por conta dos jogos, mas se agrava com eles porque ganha uma legitimidade ancorada no apoio patriótico da população. “Fica mais fácil e mais rápido. O espaço negocial e discricionário que antes existia desaparece”, afirma. A relatora da ONU finalizou com um desafio: “precisamos pensar qual a agenda propositiva ligada aos jogos é capaz de colocar em pauta o direito à moradia”.

Por fim, a moradora da Vila Autódromo, no Rio de Janeiro, Inalva Brito, relatou o que está acontecendo na comunidade, ameaçada de remoção por conta de projetos para a Copa e as Olimpíadas. “Precisamos resistir e fortalecer nossa militância. Precisamos exigir direito à voz, direito de resposta, direito à cidade, e dizer não às remoções”. Inalva ressaltou ainda a necessidade de participação da população nos processos de decisão.

 

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