Instalação de multinacional ameaça comunidade rural em Imbituba, Santa Catarina

A notícia que não virou notícia: o que aconteceu no dia 28 de julho de
2010, mas você não ficou sabendo.

Mateus Pinho Bernardes

Estudante do curso de História pela Universidade Federal de Santa Catarina

Apoiador da ACORDI (Associação Comunitária Rural de Imbituba)

Diz-se que todo fato importante vira notícia. O aconteceu, virou notícia?,
já é quase um dito popular. Há pouco mais de vinte e quatro horas ocorreram
fatos importantes. Entretanto não viraram? notícia alguma. Esses fatos
não diziam respeito ao inquérito sobre a morte do filho da atriz Cissa
Guimarães. Tampouco mencionavam uma novidade sobre o caso Eliza Samudio.
Nada acerca das escolhas do novo técnico da seleção, Mano Menezes. Não
foi veiculado por Cacau Menezes. Luiz Carlos Prates preferiu outro tema.
Boris Casoy deve ter se esquecido. William Bonner não disse nada a respeito. Essa
notícia não teve o impacto na mídia que tiveram todos os polêmicos casos
acima citados e sequer fora transmitida por seus carismáticos porta-vozes.
E embora ela não tenha uma amplitude nacional, suas características são
semelhantes a incontáveis casos por todo o país.

O fato a que me refiro ocorreu em Imbituba. Exatamente: Imbituba, você
provavelmente já deve ter ouvido falar, não? Capital nacional da Baleia
Franca?, Festa do Camarão?, Praia da Vila, Praia do Rosa, etapa obrigatória
do WCT (mundial de surf), CFZ Imbituba? (equipe de futebol novata, que
surpreendeu em sua campanha no campeonato catarinense deste ano) este
é o local a que me refiro. Se por um lado o leitor considera que agora
já deva ter alguma familiaridade ao tema, temo que infelizmente isso não
ocorrerá (pelo menos ainda não). Aliás é justamente por esta razão que
me ponho a escrever estas linhas: informar sobre uma notícia que não foi
noticiada.

Agora, se o fato que vou tratar (mas que só irei revelar após trilhar
um certo caminho) não teve repercussão como os largamente citados no início
deste texto, isso se deve a duas razões. A primeira é que embora seu conteúdo
seja mais importante e presente para as pessoas do que os acontecimentos
sensacionalistas sobre famosos, a veiculação deste tipo de informação não
é prioritária para a mídia, o que faz com que muitas vezes a população
acabe não tendo acesso a tais informações. (Afinal de contas, seu conteúdo
não incentiva a compra de nenhum produto e nem promove algum figurão).
A segunda que está ligada à anterior , é que o tema se refere a uma
outra Imbituba, normalmente relegada a segundo plano. Esta é uma Imbituba
diferente, que não reporta aos aspectos geográficos e turísticos da região
e que às vezes é desconhecida por seus próprios habitantes.

Esta outra Imbituba não se acomoda facilmente ao slogan da cidade: um
mar de oportunidades? . Se por um lado, dificilmente alguém discordaria
da presença de mar na cidade, a parte do mar de oportunidades? é consideravelmente
questionável e se não beira ao mal gosto, é pelo menos duvidosa. Mas
continuando, esta outra Imbituba a que me refiro, é a Imbituba da ICC (Indústria
Carbonífera Catarinense) , da ICISA, do porto e da ZPE (Zona de Processamento
de Exportação). Explico: tem a ver com a poluição e o curto período de
vida útil da ICC (13 anos), bem como os desempregados que deixou; com o
penoso e fracassado processo de revitalização da ICISA, que após falência
deixou um saldo de centenas de desempregados até hoje sem parte da remuneração
que tinham por direito; com a homérica concessão de décadas à iniciativa
privada do porto da cidade e seu costumeiro projeto de ampliação e, finalmente,
a espetacular estagnação e desvio de dinheiro público do que deveria ser
uma das maiores zonas de processamento de exportação do Brasil. Estes elementos
estão ligados a outra Imbituba, pois todos correspondem ao ideal de crescimento
da cidade contraposto à eterna promessa de sua concretização, de geração
de empregos e de um futuro melhor e mais promissor para todos.

O raciocínio desenvolvido até aqui informa um quadro geralmente desconhecido
sobre a cidade para as pessoas de fora, ao mesmo tempo que recorda com
um sabor amargo estas características aos habitantes. Imbituba é, definitivamente,
uma cidade que vive de remoer e orar por uma promessa de desenvolvimento
que teima em não se efetivar.

? por isso que um número significativo dos habitantes imbitubenses decidem
ou melhor, são condicionados a tentar a vida em outro lugar, seja para
estudar ou trabalhar. Isso sem contar sempre a existência de um conhecido
que tentou isso no exterior (não são poucos os casos de pessoas que encontram
imbitubenses nos lugares mais insólitos do planeta e, arrisco dizer, do
sistema solar). 

Seguindo essa sequência de investimentos fracassados, era de se esperar
que cedo ou tarde uma nova empresa viria a se instalar, proclamando- se
a mais nova salvação da cidade. Esse projeto já tem um nome e vigora, retumbante
do modo que apenas uma das maiores empresas do país pode ter. Chama-se
Votorantim. Vem propondo a geração de suntuosos empregos diretos e outros
tantos indiretos com sua instalação. Nessa ode à esperança e aos bons tempos,
os pontos positivos não irão faltar; e com uma inexplicável diferença quanto
aos fracassados exemplos precedentes agora vai!

Entretanto, pergunto eu caro leitor, quais são as garantias de que novamente
não venha ocorrer os mesmos e já conhecidos problemas destes magníficos
empreendimentos, em mais uma ilusória esperança de prosperidade à cidade?
Devemos pensar no modelo de desenvolvimento que queremos ou simplesmente
aceitar que se instale uma multinacional que oferece inúmeros riscos à
saúde dos funcionários e habitantes da cidade, correndo inclusive o risco
degradar irreversivelmente o meio ambiente da região? O local de instalação
desta unidade, admitindo que realmente ocorra, serão os Areais da Ribanceira.
Essa zona que compreende um total de 290 hectares, vai da Volta da Taboa
até o trevo da Divinéia, estendendo-se ao fundo, até quase a Praia da Ribanceira.

Mas o que, hoje, compreende essa zona? pergunto. Algo deve haver, não?
Sim, há. A área é composta por grandes extensões de mata atlântica e várias
plantações, especialmente roças de mandioca. Roças que foram cultivadas
por sucessivas gerações desde a vinda dos primeiros imigrantes açorianos
pra cá. Mas isso não é tudo: abriga ainda projetos da Universidade Federal
de Santa Catarina e conta com um engenho de farinha, recém construído,
alicerce desta cultura agrícola, englobando desde a forma de cultivo à
fabricação de um produto, indispensável à culinária local: a farinha, base
de diversos pratos típicos da gastronomia da localidade. São em torno de
50 famílias que complementam sua renda com a plantação e comercializaçã
o de farinha de mandioca.

Pois bem, nas atuais circunstâncias a implementação daquela industria
significa a destruição deste engenho. Não é apenas uma alusão figurativa,
o que ocorre é que as referidas terras, pertencentes à União foram arrematadas
por um empresário da cidade, e foram posteriormente vendidas a Votorantim.
Vale dizer que o procedimento que envolveu a execução do leilão público
foi bastante obscuro. E como resultado, teve-se a compra de todo o território
pela bagatela de R$ 0,11 m² (você não leu errado: foram 11 (onze) centavos
por metro quadrado!), por uma única pessoa, a ser paga em cem parcelas
desnecessário dizer que esta quantia era suficiente para que as terras
fossem adquiridas por qualquer interessado. Como se não bastasse, um dos
argumentos para a compra foi a de que estas eram terras improdutivas e
desocupadas negando, portanto, a presença secular e o cultivo dos agricultores
na região.

Como forma a se articularem e lutarem pela terra que é sua por direito,
no mesmíssimo local onde a tradição de seus antepassados os ensinou a lavrar,
os agricultores organizaram- se na ACORDI (Associação Comunitária Rural
de Imbituba). Investiram na organização das Feiras da Mandioca, evento
anual com o propósito de alertarem sua situação à população e clamarem
pela preservação da comunidade tradicional que são.

A questão do direito sobre as terras vem se arrastando na justiça. Em
breve haverá uma resolução no Supremo Tribunal. E foi assim que, recentemente,
mesmo sob irregularidade já que estava em questão que terras as foram
vendidas. E é assim que o nome da Votorantim aparece nesta história. A
notícia, prometida no início do texto e só a partir de agora anunciada,
tem a ver com a situação atual deste embate: ocorreu ontem o que pode ser
considerado a primeira vitória significativa sobre parte das terras e
ela não foi para os agricultores.

O evento ficou expressado pela desapropriação do Seu Antero, único morador
das terras e um membro da ACORDI. Passados dois meses sob um forte clima
de tensão, ocasionada por uma ordem de despejo, ele finalmente teve de
deixar sua casa a qual já estava com a quase totalidade dos móveis encaixotados
para remoção face o pedido de reintegração de posse. Isso significou
que a balança começou a pender para o lado dos empresários locais e da
gigantesca empresa. Vale dizer que o ato foi conduzido pela presença de
um enorme contingente policial, vindo inclusive de outras cidades. Polícia
militar, cavalaria, bombeiros, Pelotão de Patrulhamento Tático (PPT)? todos
estavam presentes para a efetivação da medida. No início, por volta das
6h10min a escolha do horário procurava evitar a presença de pessoas durante
a desapropriação sem necessidade alguma, os componente do PPT, fizeram
uma demonstração de força, fazendo formações, gritando cada um sua
identificação numa tentativa de intimidar os presentes da mesma forma
que fariam se estivessem tratando criminosos ou algo do gênero.

Cabe também dizer que em 2005, o mesmo Seu Antero após ameaças do ex-proprietário
(o golpista do leilão) sofrera agressões junto com a família (crianças
inclusive), tendo sido amarrado e surrado pelos capangas do empresário,
além de ter a casa completamente destruída. Ontem, mais uma vez, ele
teve que se retirar de seu domicílio, com todos seus objetos e animais
de criação… tudo sem um destino certo. A área começou a ser cercada e
tem proibida a entrada em grande parte de sua extensão, pois já é considerada
propriedade particular há inclusive seguranças para garantir a integridade
do local?. Integridade do local?. Acredito que este deve ser um dos
termos técnicos usados numa ocasião destas. Assim sendo, cabe a pergunta:
integridade a quem? Não me parece que aos trabalhadores, na maioria idosos,
que depois de décadas de trabalho tem agora como recompensa, uma contundente
ameaça de perderem seu meio de vida.

? preciso que deste caso, o leitor perceba a lógica por detrás dessa medida.
O que se tem aqui é apenas um, dentre os vários litígios de terras, onde
para a aquisição da área pretendida, as grandes empresas fazem suas negociações
sem considerar um elemento significativo: o ser humano. O que se visa é
o lucro, todo o resto é dispensável e todos os meios são válidos para se
alcançar o objetivo. Entre um empresário primeiro e uma multinacional depois,
não foram respeitados pelos mesmos nada que não fossem os próprios interesses.
Os agricultores receberam no máximo uma qualificação de empecilhos, o que,
para aqueles que consideram os envolvidos como obstáculos, nada mais compreensivo
que solucionem o problema como se faz com obstáculos: a simples remoção.

O que não é tão claro, mas deve ser notado, é que ninguém está a salvo
deste tipo de ação. Não é raro que muitas vezes só se perceba a injustiça
dessas medidas, ainda que baseadas na lei, quando elas batem no vizinho
ao lado. E quem sabe, se na próxima vez não seremos nós mesmos os atingidos? ?
dessa forma que este caso diz respeito a todos e não apenas aos envolvidos
diretamente. Não porque aconteceu próximo, mas porque ocorre de diferentes
maneiras, em diversos lugares, o tempo inteiro e todos estamos sujeitos.

Reconhecer e entender a injustiça como prática cotidiana e diária dos
poderosos contra os oprimidos, é uma tarefa que, embora dolorosa, só vem
a acrescentar ao homem à humanidade em seu sentido mais puro; é a solidariedade
e a compreensão do mundo, que nos torna efetivamente, humanos. Ainda que
para isso ocorrer tenhamos, infelizmente que testemunhar ocorrer ao nosso
lado, com pessoas que conhecemos, para que possamos enfim compreender o
quanto precisamos alterar esse mundo.

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