Estudantes que moram em cortiço possuem quatro vezes mais chance de repetir de ano

Estudo mostra que quanto piores as condições da moradia, pior o rendimento escolar

Estudantes que moram em cortiços possuem quatro vezes mais chances de repetir o ano do que os outros colegas, revela uma pesquisa da USP (Universidade de São Paulo) feita em salas de aula da quarta série do ensino fundamental. Foram estudados os alunos de um colégio público no bairro do Glicério, no centro de São Paulo.

 

Julia Chequer/R7 - Crianças estudam em escada de cortiço no bairro da Bela Vista, centro de SP

O levantamento, feito entre os anos de 2007 e 2009, conclui que crianças que moram em cortiços e estavam na quarta série em 2008 tinham 33% de chances de repetir de ano, enquanto os que vivem em outros domicílios possuíam só 8% de possibilidade. A proporção foi a mesma nos outros anos.

Tomando como exemplo uma sala de 35 alunos, na qual em média 15 crianças são moradoras de cortiços, cinco delas repetiriam a quarta série. Entre os outros 25 estudantes, dois ficariam retidos e fariam reforço no ano seguinte.

O pesquisador Luiz Kohara, autor da tese de doutorado, concluiu que a precariedade dos cortiços afeta o desempenho escolar. Moram em cortiços 42% dos alunos da escola estadual Duque de Caxias, número que sobe para 64% entre os estudantes que foram reprovados em 2008. Quanto menor o espaço e as condições da moradia, pior o rendimento, diz o autor do estudo.

– Claro que não dá pra generalizar; há crianças que moram em cortiços e vão bem. Mas o que se percebe é que entre os alunos reprovados, a grande maioria reside nessas moradias [precárias]. Elas não possuem espaço para estudar dentro de casa, [não têm] onde colocar o material de escola e em grande parte há menos camas do que moradores. E, dormindo mal, morando mal, a maioria dos alunos apresenta um resultado inferior.

É o caso da família de Lurdes Domingues. Ela mora em um quarto com suas quatro filhas, que possuem entre um e 12 anos, em um cortiço do bairro da Bela Vista, na região central de São Paulo. Ali, as crianças e a mãe disputam espaço com um fogão, uma pequena geladeira, um armário, uma televisão e uma beliche, onde dormem juntas. O cômodo possui cerca de 16 metros quadrados.

De dia, as duas mais velhas dividem o tempo entre ir para a escola e cuidar da irmã mais nova, enquanto a mãe trabalha de faxineira. À noite, Lurdes precisa do quarto onde moram para cozinhar. Para o estudo das meninas, sobra a escada do cortiço (local de pouca iluminação), onde fazem lição com sete crianças vizinhas. A filha de dez anos foi reprovada no ano anterior, e está fazendo reforço escolar.

– Elas não têm lugar pra estudar em casa. Passam a tarde cuidando da irmã mais nova enquanto eu trabalho, e à noite eu não deixo que elas fiquem no quarto porque eu preciso cozinhar.

Saiba mais sobre as condições de Lurdes e outras mães que moram em cortiços

Kohara afirmou que uma das causas do alto índice de reprovação dos alunos moradores de cortiço é a falta de políticas públicas conjuntas nas áreas de habitação, saúde e assistência social. Além disso, ele defende que o planejamento pedagógico da escola deve estar atento às diferenças de condições e de estrutura familiar de cada aluno.

– Não há professores que conheçam a realidade da criança. Isso é preciso para fazer uma orientação pedagógica adequada para elas. A diretriz da Secretaria Estadual de Educação [de São Paulo] tem um padrão para toda a rede. Eles desconsideram que, mesmo entre alunos de baixa renda, há condições diferentes.

A pesquisa também mostrou como a habitação afeta a autoestima e o ânimo dos alunos para os estudos. O especialista dá como exemplo uma adolescente de 13 anos que saiu do Glicério e foi morar em um conjunto habitacional no bairro do Brás (centro de São Paulo).

– Ela me disse : “quando eu morava no cortiço eu achava que era burrinha. Agora, que moro numa casa legal, acho que posso até ir pra faculdade”. Isso mostra como a condição da moradia afeta a vida emocional e a autoestima da criança.

Procurada pelo R7, a Secretaria de Educação de São Paulo afirmou que não vai se manifestar.

*Colaborou Carlos Arthur França, estagiário do R7

 

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