Em Belo Horizonte, obras da Copa devem levar à remoção de 2,6 mil famílias

15 de maio de 2014

“Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito.” Esse é o lema que tem norteado muitos grupos que lutam pelo direito constitucional à moradia. Em Belo Horizonte, sexta maior cidade do país, com  2,5 milhões de habitantes, o direito a moradia é um dos temas que voltaram à discussão com as obras para a Copa do Mundo.

De acordo com o Comitê Popular dos Atingidos pela Copa (Copac), o problema aparece com remoções forçadas, indenizações insuficientes, invasão de domicílio sem mandado judicial e corte dos serviços públicos, o que reflete na expulsão de comunidades para a periferia.

Apenas para a ampliação do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a estimativa do Copac é que 2,6 mil famílias tenham que deixar suas casas. Uma das comunidades afetadas é a Vila da Paz, sob o viaduto 262, que resiste com 107 famílias e crianças brincando em meio aos carros que passam em alta velocidade.

A doméstica Eunice Lima foi uma das primeiras a chegar ao local, há 20 anos. Ameaçada de remoção, ela sonha com a casa própria. “Não tinha lugar para morar e vim pra cá, invadi aqui. Depois, vieram mais famílias. Está previsto ter obra, o pessoal do Dnit [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes] já veio aqui olhar para ver o que vai fazer, só que até hoje não fez nada. Quatorze famílias foram para o aluguel e o resto está aqui ainda. O desejo de toda família é ir direto pra sua casa. Porque aluguel é uma coisa que ninguém tem liberdade, se você gosta de uma planta, criar uma galinha, ficar à vontade, você não tem essa liberdade.”

Neta de Eunice, Camile Thauane, de 8 anos, diz que gosta do local. “A gente brinca de boneca, de casinha, faz piquenique. Perigoso é, mas se tiver passando muito carro a gente vai pro campo e brinca. Eu gosto daqui, mas agora eles vão indenizar e a gente vai pra outro lugar, eu não sei onde.”

Já Felipe, de 10 anos, que mora com o pai, a mãe e dois irmãos na Vila da Paz, sabe o perigo que corre. “Eu acho ruim morar aqui, acontece muita coisa ruim, é muita violência, minha irmã mesmo já foi atropelada de moto.”

Ao lado da Vila Artur de Sá, no bairro União, foi construído um shopping, uma hiperloja de construção e decoração e uma torre de escritórios está em fase de finalização. Alguns moradores aceitaram indenizações e deixaram o local. Essas casas já foram demolidas, deixando espaços vazios e escombros na comunidade.

Outros, que chegaram lá ainda criança e hoje criam os filhos, tentam resistir, como a auxiliar administrativa Daniele Rodrigues, que mora com o filho e o marido, além da família da irmã e a mãe. “É tranquilo, aqui todo mundo conhece todo mundo, a gente não tem problemas. Claro que seria melhor se tivesse área de lazer no bairro, mas isso já implica uma área geral, é no bairro que não tem, não é só na nossa vila. O que a gente teme é que as crianças estão em fase de crescimento, adaptação na escola, se você precisar mudar, de repente, vai mexer muito com a cabeça delas também.”

No local há 19 anos, o líder comunitário Robson Onofre diz que a prefeitura nunca deu assistência aos moradores, nem mesmo para remover a vila, que agora tem 96 famílias. “A prefeitura nunca preocupou com a gente. Esse loteamento era totalmente abandonado, agora que está construindo um projeto econômico poderoso, grande, eles querem tirar a favela de perto do empreendimento.”

De acordo com ele, o tratamento dado aos moradores tem sido desumano. “Eles reúnem a gente e, em um contexto público, falam uma coisa. Mas quando vai conversar com o morador, sozinho, eles usam um tipo de terrorismo psicológico, criam uma série de situações. Eles distorceram os fatos na questão dos direitos e da cidadania que cada um tem.”

Uma solução encontrada por um grupo que não conseguia mais pagar aluguel foi ocupar um terreno abandonado e com dívida milionária em impostos no bairro Céu Azul. Assim nasceu, há cinco anos, com apoio do Movimento Brigadas Populares, a comunidade Dandara, que já abriga cerca de 2 mil famílias, quase 8 mil pessoas.

O representante da Associação de Moradores Felter Rodrigues explica que houve estudo prévio do terreno e planejamento para montar o bairro.

“A ocupação não foi aleatória, foi um negócio bem programado, na época que a gente entrou vieram representantes da secretaria de direitos humanos, do Ministério Público, advogados. Cada lote tem 127 metros quadrados, as ruas são de mão dupla, já tirado o passeio de 1,20 metro. A gente tem também os espaços em comum que são a igreja, o centro comunitário e a área para fazer a creche e a quadra”.

A advogada voluntária Larissa Pirchiner, do Movimento Brigadas Populares, explica que o processo judicial de reintegração de posse da Dandara está avançado, nas mãos do juiz Manoel dos Reis, da sexta Vara de Fazenda Pública Estadual.

“A gente teve uma fase de instrução probatória, teve uma audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas testemunhas, apresentadas provas. Em seguida o juiz determinou que a prefeitura fizesse um cadastramento, a prefeitura fez esse cadastramento e a gente está esperando agora eles protocolarem em juízo o relatório. Assim que a prefeitura cumprir essa determinação vão ser abertas vistas para alegações finais e logo depois o processo está pronto para ser julgado, para a sentença”.

Os moradores da Dandara pretendem continuar no local, que já está consolidado, com todos os terrenos ocupados e casas grandes construídas, e estão dispostos a pagar pela terra.

Na Vila Artur de Sá, o terreno é da prefeitura e a negociação é individual, cada família decide se aceita ou não a indenização oferecida. Os moradores pedem para ser realocados na mesma região e dizem que a indenização oferecida pela prefeitura não possibilita a aquisição de imóvel em nenhum local de Belo Horizonte.

De acordo com a Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), as obras do Anel Rodoviário estão a cargo do Dnit e as remoções serão feitas pela sétima Vara da Justiça Federal em Minas Gerais.

A Urbel informa também que cuidou apenas das remoções do local conhecido como Vila Recanto UFMG, de onde foram retiradas 91 famílias que foram reassentadas em conjuntos habitacionais construídos pela prefeitura ou receberam indenização.

O projeto que deu origem a esta reportagem foi vencedor da Categoria Rádio do 7º Concurso Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, realizado pela Andi, Childhood Brasil e pelo Fundo das Nações Unidos para a Infância (Unicef).

 

Fonte: Jornal do Brasil

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