Famílias desapropriadas por Copa lutam por indenização em Pernambuco

07 de dezembro de 2013

Filha de Manoel Sebastião da Silva, Veronica Maria mora em Camaragibe, cidade vizinha ao município de São Lourenço da Mata, onde foi construída a Arena Pernambuco. Mas na casa deles, quando se fala em Copa do Mundo, o sentimento é de angústia. “Logo no começo dessa história das desapropriações, ele (Manoel) andou muito perturbado com isso aqui. De repente era uma quarta-feira, estava passando jogo do Brasil e ele teve um acidente vascular cerebral (AVC). Quando minha mãe chegou, ele já estava no chão”.

Antes muito organizado, Manoel deixou toda a documentação dos imóveis regularizada. Mas perdeu a visão, os movimentos de um dos lados do corpo e, paraplégico, vive em uma cadeira de rodas. Não aguentou a pressão de ter de deixar todo o patrimônio que construiu ao longo da vida. Hoje, já não fala mais e chora quando ouve algo sobre a Copa do Mundo. E sua família aguarda o pagamento das indenizações pelos imóveis dele para conseguir se mudar para uma casa adaptada para essa nova condição.

A família hoje vive em um dos mais desoladores cenários da Região Metropolitana do Recife. Os tijolos e restos de metralha espalhados no chão têm nomes, memórias e agora ganham histórias tristes. O Loteamento São Francisco, onde eles moraram, já não existe e deu lugar aos escombros de demolições.

Agora, eles só querem receber o dinheiro a que têm direito antes de reiniciar uma vida. A casa do irmão de Manoel, Gerônimo Sebastião de Oliveira, foi demolida e ele não recebeu a indenização. Muitos amigos já aguardam há meses os pagamentos após saírem de suas residências, morando em casas de familiares ou alugando imóveis com os poucos recursos que lhes restam. A população do bairro simples – mas longe de ser uma favela – empobreceu com os transtornos criados pelas remoções para obras de mobilidade para a Copa do Mundo.

Irmão de Manoel, Gerônimo é um exemplo. Trabalhou muito para construir sua casa, mesmo depois de perder um dos braços. Diz que catou até pedra no rio para erguer a residência: lajeada, tinha várias bananeiras como cenário e uma vizinhança muito amiga. Dos R$ 72 mil da avaliação, ele ainda não recebeu nada. Pagou R$ 2 mil para regularizar a situação do imóvel. Aguarda o pagamento sabendo que não conseguirá comprar outra casa com o valor que aceitou, morando na casa de uma sobrinha. Mesmo assim, mantém o sorriso aberto e a esperança “só em Deus”.

A mulher de Manoel, Severina Maria da Silva, espera poder comemorar seu aniversário de 80 anos no próximo dia 5 de janeiro. Desde 2011, quando surgiram as notícias de que por ali passaria o Ramal da Copa e seria construído o Terminal Integrado de Passageiros de Camaragibe, eles perderam a referência de bairro e hoje já querem sair, mas aguardam o pagamento das indenizações.

Para governo, valores de indenizações são altos no Loteamento São Francisco

​Moradores do Loteamento São Francisco formam quase que diariamente uma fila no Fórum de Camaragibe nas últimas semanas. O bairro é um dos mais atingidos por remoções da Região Metropolitana do Recife, pois fica no caminho de dois acessos para a Arena Pernambuco: o Terminal Integrado de Camaragibe e o Ramal da Copa. Dezenas de famílias foram removidas de suas casas, muitas não receberam as indenizações e agora seguem sempre que podem para a sede municipal do judiciário para tentar resolver pendências que fazem que suas indenizações sejam retidas pela Justiça.

A relatora da ONU para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik, esteve na comunidade em Camaragibe na última sexta-feira. E denunciou no seu blog a pressão que moradores sofrem na comunidade: “a ordem é pra sair, sem compensações financeiras que garantam previamente o acesso a uma nova moradia, muito menos uma alternativa de reassentamento”.

A Secretária Extraordinária de Desapropriações do governo do Estado, Analúcia Cabral, respondeu ao Terra por e-mail em relação às famílias que saíram sem receber os valores das desapropriações que “existe um Projeto de Lei Ordinária 1743/2013 já aprovado pela Assembléia Legislativa, em Redação Final, que disciplina Auxílio Moradia para expropriados do Loteamento São Francisco do Timbi. Ressaltamos que o expropriado deve optar pelo auxílio moradia ou indenização. O que constata-se é que os valores médios das indenizações são mais vantajosos para a maioria dos moradores, de forma que o auxílio moradia deve ser para situações pontuais necessárias para atender a demandas habitacionais.”

Para o governo do Estado, no Loteamento São Francisco estão sendo desapropriados 77 imóveis. No entanto, as famílias dizem que o número de residências é muito maior. A família de Manoel Sebastião da Silva, por exemplo, conta que no lote de 12 x 25 m que seu pai comprou em 1971 tem duas casas de Veronica avaliadas em R$ 140 mil, outras duas de irmãs dela avaliadas em R$ 85 mil e R$ 23 mil, uma loja que era do patriarca e ficou em R$ 17 mil, além da casa dos pais que foi avaliada em R$ 50 mil.

As famílias não sabem precisar o quantitativo (que não é divulgado pelo poder público). Questionado após a visita da relatora da Onu, o Governo do Estado emitiu nota técnica em que conta que a “Procuradoria Geral do Estado (PGE), através da Secretaria Executiva de Desapropriações (Sedes), em parceria com a Secretaria das Cidades (SECID), promoveu uma série de ações para orientar e esclarecer os moradores, os proprietários dos imóveis e os comerciantes sobre o procedimento completo das desapropriações referentes às obras da Copa a partir de julho de 2012”.

Para o governo do Estado, uma equipe multidisciplinar, formada por engenheiros, arquitetos, assistentes sociais e advogados, vem conduzindo o processo de desapropriação e disponibilizando, constantemente, um canal de diálogo com a comunidade. O documento destaca ainda que no início do processo de desapropriação foram realizadas audiências públicas onde os moradores e comerciantes tiveram a oportunidade de assistir às apresentações dos projetos das Obras da Copa, que fazem parte do Promob (Programa de Mobilidade do Estado Secretaria Executiva de Desapropriações) e que foram realizados 263 plantões sociais com moradores de Camaragibe.

Emergencialmente, alguns moradores já solicitam em seus processos a liberação de 80% do valor das indenizações. É o caso de Edson Bernardo da Silva, que tem dois filhos, recebeu visita do oficial de justiça na última segunda-feira e conta não ter a mínima condição de relocar as duas famílias que moram no seu imóvel sem antes receber algum dinheiro.

Ele vive de fazer bicos, tinha como principal renda o aluguel do imóvel onde voltou a morar após o início das remoções no Loteamento São Francisco e seus dois filhos estão desempregados. O Comitê Popular da Copa de Pernambuco, organizou a vinda da relatora da ONU para o seminário Legados e Relegados da Copa do Mundo e divulgou nota nesta semana solicitando audiência com o governador Eduardo Campos.

 

Fonte: Terra Notícias

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