20 de setembro de 2013
Segundo o Corpo de Bombeiros, ocorrências até aqui foram todas de pequeno porte, apesar de o Programa de Prevenção chegar a poucas comunidades e não estar completamente implantado
por Sarah Fernandes e Malu Damazio, da RBA
Apesar de o Programa de Prevenção a Incêndios (Previn) ainda não estar completamente implantado nas favelas de São Paulo – e de seu alcance ser limitado a um pequeno número de comunidades – as ocorrências desse tipo tiveram redução de 70% entre janeiro e o início de setembro de 20013, em comparação com o mesmo período do ano passado.
São 20 ocorrências em 2013, segundo o Corpo de Bombeiros, contra 68 em 2012 (até setembro). Outro relevante dado é que os incêndios deste ano foram todos de pequeno porte. No ano passado, as chamas consumiram comunidade inteiras, deixando milhares de desabrigados.
Na época, autoridades dos governos estadual e municipal responsabilizavam o tempo seco pelas ocorrências. “Vou lembrar que o mês de junho teve o maior índice pluviométrico dos últimos tempos e não tivemos nenhum incêndio em favela. Por outro lado, entre julho e agosto, que foram os meses com menos chuva, tivemos vários casos”, disse em setembro de 2012 o então coordenador-geral da Defesa Civil, Jair Paca de Lima, à RBA.
O clima seco, no entanto, parece não ter causado os mesmos prejuízos neste ano: na média, a umidade relativa do ar entre junho e agosto deste ano foi apenas 1% maior que nos mesmos meses do ano passado, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). O órgão lembra que nenhum dos dois anos foram os mais secos da cidade, sendo superados, por exemplo, por 2002, quando até outubro tinham sido registradas 20 ocorrências do tipo na capital.
São Paulo registrou pelo menos 530 incêndios em favelas entre 2008 e 2012, de acordo com os Bombeiros. Sobre este último ano, um levantamento produzido pela Rede Brasil Atual sobrepôs os endereços das ocorrências com as áreas a serem transformadas pelas políticas municipais de reurbanização e revelou que a maioria das favelas incendiadas estão coincidentemente concentradas nos perímetros das chamadas operações urbanas (confira abaixo).
O traçado georreferenciado das operações urbanas previstas no Plano Diretor da cidade foi cedido pela Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa). Como a administração municipal tem autonomia de alterar o traçado, também foram utilizadas informações de mapas disponíveis nos sites da prefeitura.
Ao todo foram georreferenciados 89 dos 103 endereços de incêndios em favelas que constam no documento entregue pela Defesa Civil para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Incêndios em Favelas da Câmara Municipal. Para a elaboração do mapa foi usado o sistema colocado à disposição pela empresa Google. As ocorrências vão de janeiro de 2008 a agosto de 2012.
Vítimas do fogo
“Toda vez que lembro do que aconteceu eu choro”, disse a dona de casa Andréia Cássia, moradora da favela Alba, na zona Sul de São Paulo, que teve sua casa destruída pelo fogo em agosto do ano passado, que deixou pelo menos 120 desalojados. A prefeitura não ofereceu abrigo para as vítimas, que tiveram de se hospedar na casa de amigos e parentes.
“O fogo começou em um barraco atrás de casa, se espalhou e queimou o quarto dos meninos. Só deu tempo de pegar minha bolsa e sair correndo”, contou. Andréia, assim como a maioria dos moradores que perderam suas casas, está reconstruindo suas moradias, de alvenaria, nos mesmos lugares.
Andréia e os demais moradores se negaram a aceitar o aluguel social oferecido pela prefeitura na época. “Eram R$ 300 e com isso não se aluga um barraco para uma família com crianças aqui”, disse. No incêndio ela perdeu uma barraca e um fogão portátil, que usava para vender lanches em festas na comunidade.
Um núcleo da favela da Vila Prudente localizado entre a estação Ipiranga da CPTM e o centro de compras Mooca Plaza Shopping, que sofreu um incêndio em agosto do ano passado, registrou outra ocorrência em fevereiro deste ano, restrita a três barracos. Logo após o primeiro incêndio a prefeitura instalou uma barreira de concreto em torno do terreno, para impedir a reocupação. Os moradores foram ameaçados de serem expulsos e tiveram que recorrer ao Ministério Público.
Elza Miranda (ao lado), moradora e dona de um pequeno comércio na área, conta que perdeu seu quarto no segundo incêndio, com todos os pertences, e que ainda está dormindo no chão de outro cômodo. “Não deixam a gente reconstruir. Toda hora tem a subprefeitura ou a GCM (Guarda Civil Metropolitana)”, reclama. Mesmo assim, algumas famílias voltaram a ocupar os escombros do incêndio, que permanece no terreno, ainda sem limpeza.
“Eu nunca tive uma oportunidade na minha vida. A única foi de abrir meu comércio na frente da minha casa, que eu agarrei com muita força. Não vou entregar a qualquer custo”, diz.
Prevenção
Em outro núcleo da favela da Vila Prudente, seis brigadistas que haviam sido treinados para atuar no Programa de Prevenção de Incêndios em Favelas (Previn) no ano passado foram desligados do projeto sem explicações, em dezembro. Outras duas pessoas foram contratadas para a função.
Dos 11 hidrantes que deveriam ser instalados na favela, ação prevista no Previn, apenas dois saíram do papel.
“Eu tinha feito a demarcação com os bombeiros, mas eles acabaram colocando em locais diferentes. E os hidrantes também não têm bomba para dar pressão no jato de água para apagar o incêndio”, disse o morador João Roberto Rodrigues (ao lado), que fez parte da brigada de incêndio.
Na favela São Remo, na zona oeste da cidade, onde a prefeitura já havia entregue os equipamentos, o programa parou de funcionar, segundo os brigadistas.
A Secretaria de Coordenação das Subprefeituras, responsável pela iniciativa, afirmou, via assessoria de imprensa, que foi criado um grupo para fazer a gestão do Previn.
“Os envolvidos realizaram um diagnóstico da situação atual das 50 comunidades atendidas pela gestão anterior, no que se refere aos equipamentos e capacitação para moradores locais. Feito isso e constatada a falta dos equipamentos, todas as subprefeituras receberam verba da Secretaria de Coordenação para compra de materiais e já adquiriram a maior parte dos equipamentos. Além disso, está em andamento a contratação de zeladores para que o programa seja efetivamente implantado nas comunidades”, diz o texto.
O projeto original havia sido criado na gestão de Marta Suplicy (PT) e conseguiu, nos seus dois anos de atividade, controlar todos os focos de fogo em favelas antes que se tornassem grandes incêndios. A ideia era mais simples que o Previn: tratava-se de equipar algumas casas com extintores e treinar moradores para acabar com as chamas antes que se propagassem para moradias vizinhas.
Apesar do custo reduzido e do sucesso nas ações, ele foi extinto por José Serra (PSDB) em 2005, quando assumiu a prefeitura. Sucessor do tucano, Gilberto Kassab (PSD) teve a chance de reativar o trabalho depois que um projeto de lei foi aprovado pela Câmara Municipal em 2009, mas não tocou a ideia adiante. Durante a campanha para a prefeitura de São Paulo, no ano passado, o prefeito Fernando Haddad (PT), então candidato, se comprometeu a retomar o programa.
Em 2009, o vereador Celso Janete (PTB) apresentou um projeto de lei para a implantação de um novo programa de prevenção a incêndios em favelas, que foi aprovado em plenário. Quase um ano depois, o ex-prefeito Kassab, então do DEM, firmou um decreto que criou o Programa de Prevenção Incêndios em Assentamentos Precários (Previn).
Semelhante à ação da gestão Marta, o programa, implantado em 2010, prevê nomeação de um zelador comunitário, instalação de hidrantes e retirada de ligações clandestinas de energia elétrica (os populares “gatos”). No Orçamento de 2011, o projeto chegou a receber dotação orçamentária de R$ 1 milhão, mas, segundo as planilhas disponíveis, nada foi efetivamente investido. Em 2012, novamente o montante executado foi nulo.
Investigação
O número elevado e recorrente de incêndios em favelas motivou, no ano passado, o então vereador Ricardo Teixeira (PV) a pedir a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Incêndios em Favelas, que vigorou entre abril e dezembro. Apesar das reuniões serem quinzenais, apenas seis encontros foram realizados.
Os demais foram cancelados por não atingirem presença mínima de quatro dos seis vereadores participantes, todos da base aliada do então prefeito Kassab: Ricardo Teixeira (PV), Edir Sales (PSD), Toninho Paiva (PR), Ushitaro Kamia (PSD), Aníbal de Freitas (PSDB), Souza Santos (PSD) e Jamil Murad (PCdoB, que abriu mão da vaga). Os três últimos foram substituídos, quando só então entraram representantes da oposição, em novembro, por Eliseu Gabriel (PSB), Floriano Pesaro (PSDB) e Juliana Cardoso (PT), respectivamente.
Até então, o PT não tinha tomando parte da discussão, abrindo mão das duas vagas que teria direito, em protesto a não instalação de uma CPI para investigar denúncias de desvio de verba no Hospital Sorocabano.
A CPI terminou em 12 dezembro, em uma reunião com bate-boca, acusações, ataques políticos, retomada de questões já saturadas e nenhuma conclusão. A votação do relatório final ocorreu no dia 18, após oito meses de tentativas em vão de realizar encontros e tomar depoimentos. O documento considerou que as investigações não ocorreram a contento e que por isso seria necessário estendê-las para o próximo ano.
“Venho neste momento fazer uma recomendação ao plenário da Casa de retomar a referida investigação na nova legislatura, dada a importância do assunto”, disse o documento, escrito por Teixeira, presidente da comissão.
Neste ano ele assumiu o cargo de Secretário do Verde e Meio Ambiente e não deu continuidade às investigações. Seu suplente, Abou Anni (PV), não fez o pedido de reabertura da Comissão. Segundo a Secretaria de CPIs da Câmara, nenhum vereador requisitou a reabertura da CPI.
Fonte: Rede Brasil Atual
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