Invisíveis, porém humanos

19 de agosto de 2013

O Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua é um bom momento para refletirmos sobre a forma como a sociedade trata aqueles que tiveram o infortúnio de ir viver nas ruas

por Maria Carolina Tiraboschi Ferro(*)

Em 11 de julho deste ano, em seu penúltimo dia de vida, a cadeirante Meire Oliveira começou a sentir fortes dores no peito. Diante da situação que não passava, seu companheiro acionou o serviço do Samu. O socorro, porém, não veio. Meire continuou a passar mal. Novamente, o Samu foi acionado no início da manhã do dia seguinte; outra vez o socorro não veio. Quando o carro do Samu finalmente chegou, às 10 da manhã, não havia mais nada a ser feito: Meire já havia morrido. Seu corpo ainda permaneceu sete horas exposto na Praça da Sé – local onde morreu – até que o IML chegasse para removê-lo.

O drama de Meire não aconteceu por acaso. Ela era uma das cerca de 15 mil pessoas que vivem nas ruas de São Paulo. Trata-se de uma população marcada pela invisibilidade social, sujeitas a um sem-número de vulnerabilidades, como a fome, o frio, a dependência química e a violência física. Uma população que sofre diariamente as conseqüências de um preconceito enraizado em praticamente todos os setores da sociedade: de transeuntes a policiais, de comerciantes a servidores da saúde.

O Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua, que ocorre neste 19 de agosto, é um bom momento para refletirmos sobre a forma como a sociedade trata aqueles que tiveram o infortúnio de ir viver nas ruas. A data faz referência ao episódio que ficou conhecido como o “Massacre da Sé”. Entre 19 e 22 de agosto de 2004, sete pessoas em situação de rua foram assassinadas com golpes na cabeça enquanto dormiam na região da Praça da Sé, no centro de São Paulo. Os ataques também deixaram oito pessoas feridas. Até hoje, ninguém foi preso pelos crimes.

Neste ano, novamente uma série de mortes acometeu a população de rua de São Paulo em um curto espaço de tempo – mas dessa vez por motivos diferentes. Com as temperaturas mais baixas em uma década, a cidade viu em julho sete pessoas em situação de rua morrer ao longo de uma semana. A suspeita principal é que tenham morrido de hipotermia. Vale dizer que, ainda que o frio tenha sido recorde, e apesar dos esforços da nova gestão municipal, diversas falhas no serviço de atendimento emergencial foram constatadas, como linhas telefônicas de emergência que não funcionavam.

Como se pode ver, tanto Meire Oliveira, quanto os assassinados no “Massacre da Sé”, até aqueles que morreram na onda de frio de julho, foram vítimas de sua condição.

Os motivos que levam uma pessoa à situação de rua são vários. Desde fatores estruturais, como os econômicos e ocupacionais, que levam ao desemprego e à moradia precária, até problemas mais individuais, como desavenças na família, brigas, traumas, doença mental, dependência química, discriminação devido à orientação sexual, entre outros.

Já a reinserção social é um processo complexo, cujo ritmo varia de pessoa a pessoa. A intervenção para que isso ocorra precisa ser global e pede por políticas públicas intersetoriais. Elas precisam envolver atendimento psicológico, assistência social, oportunidades específicas de trabalho, políticas dirigidas de habitação e orientação jurídica. Para isso, é imprescindível que o Estado formule essas políticas em conjunto com a sociedade civil e garanta que seus servidores as executem de forma consistente, despojados do preconceito característico que existe no atendimento a este público.

No caso de São Paulo, em março deste ano, foi criado o Comitê Intersetorial para a População em Situação de Rua. Trata-se de um comitê paritário que conta com representantes da sociedade civil e de diversas secretarias da administração municipal. Entre as suas atribuições, está a de elaborar o Plano Municipal da Política para a População em Situação de Rua e a de promover a articulação intersetorial das políticas públicas da área.

Desde sua criação, o comitê vem enfrentando alguns desafios na elaboração de ações propositivas para além de ações fiscalizadoras. A grande meta é que poder público e sociedade civil possam efetivamente construir em conjunto políticas que visem a promover a dignidade desta população.  Pois, ainda que não pareça, quem vive na rua também possui direitos que precisam e devem ser respeitados.

(*) Maria Carolina Tiraboschi Ferro, 31, é secretária-executiva do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e membro do Comitê Intersetorial para a População em Situação de Rua de São Paulo

 

Fonte: Carta Capital

 

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