Instalado no ano da 1ª Copa, aposentado tem casa desapropriada para a 2ª

26 de junho de 2013

Expedito Rodrigues, forçado a deixar casa onde vive desde 1950, é um dos moradores de Fortaleza afetados por obra do VLT.

O aposentado Expedito Rodrigues, de 78 anos, chegou ao bairro da Parangaba, na periferia de Fortaleza, ainda adolescente, com a família que fugia da seca em Igatu, no interior do Ceará. O ano era 1950, quando o Brasil sediou pela primeira vez uma Copa do Mundo de futebol.

Agora, quando o país se prepara para sediar novamente uma Copa, os preparativos para o torneio obrigaram o ex-pintor de paredes a deixar a casa em que morou por décadas no bairro e onde viu a família chegar à quinta geração no mesmo local, a comunidade Caminho das Flores.

A casa de Expedito foi desapropriada e está prestes a ser demolida para dar lugar a um pilar de sustentação de um trecho elevado do VLT (veículo leve sobre trilhos, espécie de metrô de superfície), uma das obras de mobilidade urbana prometidas para a Copa do Mundo na cidade.

‘Eu não queria sair daqui, não. Mas com os homens ninguém pode, eles têm dinheiro’, diz, conformado. Desde que saiu de sua casa, há poucos dias, mora de favor com um dos filhos, que também vive no bairro e que não teve sua casa desapropriada.

A indenização recebida do governo, segundo ele, não é suficiente para comprar um novo imóvel ou reconstruir a casa em outro lugar. O governo oferece aos moradores a opção de receber um imóvel num conjunto habitacional no bairro José Walter, a mais de dez quilômetros dali, mas Expedito não quer sair do local onde vive há 63 anos nem ficar longe dos 9 filhos, 28 netos e 2 bisnetos que também vivem no bairro.

Segundo o Comitê Popular da Copa de Fortaleza, ONG que questiona os gastos públicos e os custos sociais dos preparativos para a Copa do Mundo, o VLT provocaria a remoção de 5 mil famílias da cidade de suas casas. O governo questiona esses dados e diz que as desapropriações atingiriam pouco mais de 2 mil famílias.

A associação nacional dos Comitês Populares da Copa diz que até 250 mil pessoas estão ameaçadas de remoção em todo o país por conta das obras para o torneio e pedem alternativas, incluindo indenizações justas que permitam aos moradores permanecer nas suas regiões de origem.

Prazo em xeque

Como vários dos projetos de infraestrutura de transporte ligados à Copa do Mundo, o VLT deveria ter sido inaugurado ainda antes da Copa das Confederações, disputada até o dia 30 de junho deste ano.

A inauguração foi reprogramada para março do ano que vem, mas as contestações dos moradores atingidos pela obra, como Expedito Rodrigues, já colocam em xeque o novo prazo.

No bairro da Parangaba, a maioria dos moradores, como Expedito Rodrigues, já fez acordo com o governo e desocupou os imóveis para as obras, ainda em estágio inicial. Mas em outros locais, como na comunidade Trilha do Senhor, localizada no bairro da Aldeota, em uma região considerada nobre da cidade, o processo ainda não começou e os moradores prometem resistir.

‘Nossa intenção é resistir e ficar aqui até que o governador perceba que está fazendo a coisa errada’, afirma Maria Edileusa Alves da Silva, de 52 anos, que diz morar há 40 na mesma casa.

Maria Edileusa vem engrossando os grandes protestos organizados pelo Comitê Popular da Copa e que vêm marcando até aqui os jogos da Copa das Confederações, como o que reuniu cerca de 30 mil pessoas nas proximidades do estádio Castelão antes do jogo entre Brasil e México, no dia 19.

‘A gente não é contra a Copa. A Copa é ótima, traz investimentos. A gente só está debatendo em cima do que o governo está fazendo com as pessoas’, diz.

Indenização baixa

Para o estudante Thiago de Souza Moura, de 24 anos, morador da Parangaba e integrante do Comitê Popular da Copa, os idosos são os que vêm sofrendo mais com a perspectiva de desapropriação.

‘Essas pessoas estão estabelecidas aqui há décadas, não querem recomeçar a vida em outro lugar. Desde que o processo começou, já houve vários casos de idosos daqui da região que adoeceram, tiveram derrames ou mesmo morreram por causa da preocupação.’

Segundo ele, as indenizações não levam em consideração a valorização dos imóveis no bairro por conta das próprias obras que motivaram as desapropriações.

‘A região está se valorizando muito, porque vai ter a poucos metros uma estação integrada do VLT e do metrô e um shopping center. Alguém que tem um imóvel avaliado pelo governo em R$ 40 mil não consegue depois comprar um igual nem por R$ 100 mil ou R$ 200 mil’, afirma.

Também moradora do bairro, a agente comunitária de saúde Arilêda Fernandes de Oliveira, de 42 anos, conta que o imóvel no qual nasceu e foi criada, e no qual hoje vivem oito pessoas, foi avaliado inicialmente em R$ 18 mil. ‘Com esse valor não dá nem para começar a reconstruir a casa’, reclama.

Impacto reduzido

O governo do Estado, responsável pela obra, diz que o projeto do VLT foi alterado para reduzir o impacto sobre a população e a necessidade de desapropriações.

Segundo a Secretaria de Infraestrutura do Ceará (Seinfra), o número estimado de imóveis para desapropriação é atualmente pouco superior a 2.100. Além disso, em muitos casos os imóveis serão apenas parcialmente afetados, e os moradores poderão reconstruir suas casas na parcela do terreno que sobrar.

O governo do Estado oferece indenização, ajuda de custo para aluguel e uma unidade habitacional do programa ‘Minha Casa, Minha Vida’, no bairro José Walter, no caso de imóveis com valor abaixo de R$ 40 mil.

O governo do Estado contesta ainda o argumento de que as obras de mobilidade urbana atendem somente aos interesses da Fifa, afirmando que a ligação entre Mucuripe e Parangaba deverá atender diariamente cerca de 100 mil pessoas, com integração a outros meios de transporte da cidade.

Segundo Ana Christina de Moraes Lima, representante da empresa Mosaico, contratada pelo governo para negociar as desapropriações, dos cerca de 2.100 imóveis cuja desapropriação é considerada necessária para as obras do VLT, 553 já firmaram um acordo com o governo e apenas seis foram à Justiça. Os demais ainda estão em fase de cadastramento ou negociação.

Lima, indicada pela Seinfra para comentar à BBC Brasil as críticas do Comitê Popular da Copa às obras do VLT, diz que os questionamentos às desapropriações não deverão atrasar as obras. ‘Até novembro, estará tudo resolvido’, diz.

A Seinfra, por sua vez, afirma que o prazo é suficiente para que a obra seja entregue até março, para que possa passar por testes de operação a tempo de estar funcionando a plena capacidade até o início da Copa do Mundo, em junho de 2014.

Obras atrasadas

Das várias obras prometidas para Fortaleza antes da Copa, apenas a reforma do estádio do Castelão está totalmente pronta. A obra de alargamento da Avenida Alberto Craveiro, que passa em frente à arena, também foi entregue pela Prefeitura, poucos dias antes do início da Copa das Confederações, mas incompleta – faltam calçadas, canteiros centrais e uma rotatória, entre outros itens.

A reforma do aeroporto internacional Pinto Martins, em Fortaleza, também está atrasada. Na semana passada, o ministro-chefe da Secretaria da Aviação Civil, Wellington Moreira Franco, afirmou que o ritmo das obras no aeroporto é ‘preocupante’.

Quando a capital cearense foi anunciada como uma das sedes da Copa do Mundo de 2014, muitos moradores comemoraram a oportunidade de finalmente ver implementados projetos de infraestrutura prometidos há muito tempo e que nunca saíram do papel. Com as obras de mobilidade urbana, alguns dos graves problemas de transporte da cidade poderiam finalmente ser mitigados.

A menos de um ano do torneio, quase nenhum desses projetos está pronto, e os moradores já começam a questionar se algum dia verão o que lhes foi prometido.

 

Fonte: G1

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