Lagos, Nigéria: Onde a moradia é um luxo

12 de março de 2013

Por Oluwatosin Popoola, Pesquisador da Anistia para a África Ocidental

A Anistia Internacional faz campanha para impedir os despejos forçados e conseguir mudanças na legislação sobre o direito à moradia em todo o mundo. A campanha visa melhorar as condições e acesso a serviços básicos em favelas e assentamentos informais, bem como aumentar a participação das pessoas que vivem nessas áreas nos processos e decisões que afetam suas vidas. Foto: Amnesty International

Friday Ogunyemi acordou no sábado, 23 de fevereiro de 2013, alheio ao fato de que ele e sua família seriam desalojados pela manhã e teriam que passar a noite na rua à mercê das condições do tempo. Naquele dia, funcionários do governo do estado de Lagos começaram a expulsar à força a comunidade de Friday de Badia Oriental, um assentamento informal vibrante de cerca de 150.000 pessoas no coração de Lagos, a capital comercial da Nigéria.

Lagos tem mais de 10 milhões de habitantes – a maior parte constantemente lutando para obter moradia adequada. Com uma população cada vez maior, um lugar decente para viver tornou-se um luxo para a maioria pobre de Lagos.

Expulsando as pessoas de suas casas

Na manhã de 23 de fevereiro, os moradores de Badia Oriental estavam cumprindo seu dever cívico, fazendo a limpeza de suas casas e imediações de acordo com as exigências mensais impostas pelo estado de Lagos relativas às condições sanitárias do meio ambiente. Eles foram pegos de surpresa pela equipe de demolição do governo do estado de Lagos. Eles chegaram para destruir centenas de casas e prédios, incluindo o bangalô de 16 quartos de Friday.

“Eu acordei para fazer limpeza por volta das 7h25min, de repente eu vi tratores e me perguntei se era assim que o exercício de saneamento ia ser. Cerca de uma hora mais tarde funcionários da força-tarefa do estado de Lagos, em conjunto com mais de 40 homens da polícia móvel fortemente armados chegaram. A polícia começou a expulsar as pessoas de suas casas”, disse Friday Ogunyemi

“Fui expulso da minha casa com minha filha de 5 anos de idade e meu filho de 3 anos de idade. A polícia disse que se voltássemos para a casa eles atirariam em nós. Pude levar apenas meus filhos, deixando todos os meus pertences para trás. Minha esposa não estava por perto, ela tinha ido ao mercado para comprar alguns produtos de limpeza. No momento em que ela voltou para nossa casa ela tinha sido demolida, foi a primeira casa a ser demolida na área”, acrescentou Friday.

A situação de Friday é semelhante a de centenas de famílias que foram desalojadas e ficaram sem lar, como resultado da demolição de Badia Oriental. Para Friday e sua comunidade não foi dada a oportunidade de uma verdadeira consulta sobre a demolição planejada. Eles não estavam cientes de que a demolição iria acontecer. O governo do estado de Lagos não forneceu às pessoas afetadas habitação alternativa, compensação, ou qualquer forma de ajuda. Centenas de moradores sem ter aonde ir agora dormem nas ruas, protegendo os poucos pertences que conseguiram levar.

Trataram-nos como se a sociedade fosse apenas para os ricos

“Eu não tenho nada para comer desde a manhã e eu estou usando minhas últimas forças para falar com você. Eu saí para pedir comida na rua próxima para meus filhos comerem. O governo do estado de Lagos está nos tratando como animais e como se fôssemos nada diante deles, como se a sociedade fosse apenas para os ricos. Somos nigerianos também, estamos sofrendo, eles viraram nossas vidas de cabeça para baixo. Se realmente somos nigerianos eles deveriam nos dar igualdade de direitos”, Friday disse com uma voz carregada de emoção.

“Eles nos expulsaram de nossas casas, fomos dormir a céu aberto, sendo picados por mosquitos e sob o risco de pegar malária. Eles dizem que Badia Oriental é uma área de favela, mas não é verdade. A comunidade é uma área residencial onde vivem graduados em cursos universitários e pessoas trabalhadoras. O governo nos privou do acesso a serviços básicos e ainda demoliu nossas casas”, acrescentou.

À custa dos pobres

As vítimas do despejo forçado em Badia Oriental dizem que se sentem abandonados pelo governador do estado de Lagos, Babatunde Fashola, que eles afirmam terem votado de forma maciça nas últimas eleições gerais, em 2011. O governo do estado de Lagos mostrou um desprezo para com os moradores de Badia Oriental, na medida em que os despejou a força sem fornecer alojamento alternativo ou ajuda de emergência, incluindo o acesso a serviços de alimentação, abrigo, água, saneamento e saúde.

Em uma tentativa de transformar Lagos em uma cidade do século 21, o governo do estado de Lagos declarou a sua intenção de “fazer de Lagos uma megacidade”. Isto levou a demolições em toda a cidade, a fim de abrir caminho para vários projetos de infraestrutura. Isso não deve ocorrer à custa dos pobres. Se a vida da maioria pobre de Lagos não está melhorando, com certeza não deve ser agravada por ações governamentais que ignoram os direitos humanos das pessoas que se destina a servir.

Quando o sol se põe sobre Lagos, Friday lamenta: “Nas últimas noites eu tenho coberto meus filhos para protegê-los do frio e dos mosquitos com minhas próprias roupas. Hoje à noite eu estou pensando no frio e nos mosquitos que vão picar a mim e a minha família. Espero que não chova, eu estou muito preocupado”.

Outro dia chega ao fim com muitos ex-moradores de Badia Oriental permanecendo desabrigados, destituídos em sua própria cidade. Eu me pergunto se o alívio para estas pessoas algum dia estará a caminho.

 

Fonte: Anistia Internacional

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