Burocracia e desorganização travam projeto de recuperação de vila arrasada por tsunami no Chile

25 de fevereiro de 2013

Ao completar três anos do tsunami que afetou o Chile, o único projeto de reconstrução ecológica contabiliza pequenos êxitos e uma grande frustração.

Por Marianela Jarroud, correspondente da IPS

A reconstrução da vila de pescadores de Boyeruca, arrasada pelo tsunami que varreu a região centro-sul do Chile em 27 de fevereiro de 2010, surgiu como exemplo de reconstrução ecológica e sustentável. Porém, a burocracia e a desorganização travaram o projeto e mantêm em suspense uma população vulnerável. Boyueruca é uma localidade costeira da Comunidade de Vichuquén, 293 quilômetros ao sul de Santiago e às margens do Oceano Pacífico. Seus 300 habitantes sempre viveram da extração de produtos marinhos.

O terremoto de 8,8 graus na Escala Richter e o posterior tsunami deixaram milhões de afetados em uma faixa de 600 quilômetros de extensão e destruíram 80% das casas de Boyeruca. Os testemunhos descrevem que o mar “saiu três vezes”. A primeira vez não causou maiores danos, mas na segunda destruiu tudo em sua passagem. Os danos levaram um grupo de organizações sociais, empresas e movimentos ecológicos e religiosos, coordenados pelo Instituto de Ecologia Política (IEP), a iniciar uma campanha para a reconstrução sustentável da aldeia.

“Após a primeira visita a Boyeruca, detectamos tanta falta de tudo que decidimos fazer campanha para trabalhar e ajudar na reconstrução”, contou ao Terramérica a coordenadora de difusão e comunicações do IEP, Claudia Lisboa. O projeto pretendia erguer um “ecopovoado” com energias renováveis para o desenvolvimento produtivo local. A corporação mineira Barrick Gold se encarregou de reconstruir a Escola Ema Cornejo de Cardoen, que agora fica nos Montes de Boyeruca para evitar os embates das ondas em caso de novo tsunami.

O coletivo refez a biblioteca da escola com uma temática ambiental, com doação de livros e publicações sobre temas ecológicos e instalação de móveis de madeira de pinheiro. “Com ajuda de um grupo de estudantes da Universidade de Amsterdã, na Holanda, reconstruímos a parte ecoeducativa, e com um grupo de chilenos e latino-americanos em Nuremberg, na Alemanha, rearmamos a biblioteca. Também fizemos o estudo para uma horta escolar ecológica, que está pendente”, detalhou Claudia.

Outro grupo, liderado pela psicóloga Carmen Colomer, prestou assistência em saúde mental integral para crianças e adultos. “Realizamos painéis na escola, a ‘hora do conto’, e iniciamos um apoio à organização da biblioteca, a elaboração de pequenos projetos produtivos e criação de um fundo comunitário, baseando-se nas experiências do banco dos pobres”, contou ao Terramérica a especialista se referindo ao Banco Grameen, fundado em Bangladesh para promover os microcréditos.

Hortensia Guerrero, do sindicato de pescadores Liberdade de Boyeruca, assegurou ao Terramérica que a ajuda das organizações “foi real” e ajudou muito a comunidade em seu momento. Mas a burocracia das autoridades municipais e nacionais levou “as pessoas a viverem pior do que antes”, afirmou. Em 2010, as famílias foram transferidas para uma área alta, longe da margem costeira onde suas casas foram derrubadas. Mas voltaram para essa “zona vermelha” onde moram em casas precárias, entre os fantasmas da vida tranquila que algum dia tiveram.

No começo de 2012, as autoridades prometeram construir casas dignas em locais altos, mas isso ainda não acontece, denunciou Hortensia. “As pessoas estão vivendo sem água potável e sem luz”, destacou. Antes do tsunami, a atração principal na vila era uma lagoa de origem estuária, onde se cultivava a ostra do Pacífico (Crassostrea gigas). O “cultivo de ostras que era a atração de Boyeruca. O turismo chegava por isso. Com o tsunami, a areia se foi para a lagoa, onde antes havia quatro metros de profundidade e hoje tem apenas meio metro ou 20 centímetros”, pontuou.

A lagoa era rica em aves, como o cisne de pescoço negro e várias espécies de pato selvagem, que sumiram. Os moradores também aproveitavam as salinas de Boyeruca para processar sal para consumo humano. Tudo se perdeu após o tsunami. “Havia um mangue precioso, onde tínhamos um terreno com uma fonte de onde tirávamos água. Mas uma pessoa inescrupulosa a prejudicou com uma máquina pesada e desviou a água e destruiu o mangue de quase um quilômetro”, contou Hortensia.

Ao fechamento desta edição as autoridades chilenas não haviam entregue dados oficiais sobre casas reconstruídas após três anos do terremoto, mas porta-vozes do governo anteciparam que se chegou a 85% da reconstrução total e que 75% das casas necessárias já foram entregues ou estão em construção. O presidente chileno, Sebastián Piñera, pretende encerrar seu mandato, em março de 2014, tendo feito toda a reconstrução. Isto implica 110 mil casas reconstruídas e 112 mil novas, segundo o Ministério da Habitação.

Para Tusy Urra, coordenadora do Movimento Nacional pela Reconstrução Justa, a realidade não bate com os números oficiais. “Muitos afetados perderam tudo e nem mesmo puderam apresentar os documentos para ter acesso a um subsídio”, afirmou. Além disso, “o processo é indigno para as famílias que estão vivendo em meia-água (casas pré-fabricadas de madeira e sem banheiro). Não há um plano com políticas de sustentabilidade”, ressaltou ao Terramérica.

A reconstrução respondeu à “pressa”, acrescentou Tusy. O governo “perdeu uma grande oportunidade. O ideal seria haver políticas de construção de moradias de acordo com os novos tempos e as necessidades dos locais, resguardando sua história, seu patrimônio, segundo as novas tecnologias e a sustentabilidade. Lamentavelmente, isso não ocorreu”, enfatizou.

 

Fonte: EcoAgência

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