Governo expulsa moradores tradicionais de Suape

07 de maio de 2012

Publicado no Jornal do Commercio, em 6.5.12. Texto: Adriana Guarda/Editoria de Economia.

Do alto, a pujança dos grandes empreendimentos. Em terra firme, os desafios sociais de um porto-cidade. São dois olhares sobre o Complexo de Suape que abriga, num mesmo território, 115 empresas e uma população de 25 mil moradores. A convivência improvável causa conflitos entre posseiros e a diretoria do porto. De um lado do front, o governo do Estado tem pressa em desapropriar as terras e conter a escalada das invasões. Do outro, os moradores se queixam dos baixos valores pagos pelas indenizações e da truculência no processo de retirada das casas.

Posseiros e representantes do Sindicato dos Vigilantes de Pernambuco denunciam que funcionários de Suape e da empresa de vigilância Servi San executam a derrubada de casas, portando arma de fogo. A diretoria do porto utiliza o serviço para demolir residências construídas sem a autorização de Suape por invasores ou por moradores nativos.

“A direção de Suape está atribuindo aos vigilantes um trabalho de jagunço. Não cabe a eles executar essas derrubadas. Isso é ilegal. Temos informação de que pelo menos 20 profissionais da Servi San foram demitidos porque se recusaram a cumprir ordens de demolição”, diz Luiz Carlos Barbosa, diretor do departamento jurídico do Sindicato dos Vigilantes. O assunto foi denunciado na Assembleia Legislativa do Estado, no último dia 18, durante audiência pública que discutiu condições de trabalho em Suape.

O advogado Eduardo Paurá, do escritório Matos, Paurá e Beltrão, explica que o trabalho dos vigilantes deveria ser apenas de apoio aos profissionais responsáveis pela demolição, como forma de garantir sua segurança e integridade. Barbosa complementa dizendo que os vigilantes não devem estar armados nesse acompanhamento das derrubadas.

Contratado da Servi San há 4 anos, o vigilante Ivaldo José dos Santos, de 32 anos, conta que pediu demissão de Suape depois que foi deslocado para o trabalho de campo. “Fui escalado para demolir uma casa junto com outros seis colegas armados. Quando cheguei lá a residência era de um posseiro conhecido meu. Ele pediu pelo amor de Deus para não fazerem aquilo. Quando eu vi os tijolos no chão doeu dentro de mim. Meu pai é posseiro também. Nasci e me criei aqui nas terras de Suape. Foi nesse dia que pedi para sair”, lembra, dizendo que a Servi San o deslocou para trabalhar em outra empresa do porto.

Com 23 anos de mercado, a empresa piauiense Servi San presta serviço a Suape desde 2009, com um efetivo de 160 vigilantes. É o maior contrato da companhia no Estado. “Há 6 ou 8 meses recebemos a denúncia de que nossos vigilantes estavam atuando em ações de demolição. Procuramos a diretoria de Suape e esclarecemos que o contrato não previa esse procedimento. Somos uma empresa que segue à risca as leis da Polícia Federal e cumpridora das nossas obrigações. Quando o vigilante é contratado ele assina uma ordem de serviço detalhando quais são suas atribuições”, afirma o gerente da filial da empresa em Pernambuco, Genildo da Fonte Filho. O gestor também assegura que não teve informação de que os vigilantes foram devolvidos por não cumprirem as ordens de derrubada das casas por Suape. “O que chegava pra gente é que ocorreram problemas de conduta”.

O advogado Eduardo Paurá esclarece que apesar de não ser adequada a utilização dos serviços dos vigilantes nas demolições, Suape tem amparo legal para executar a derrubada das casas. O Código Civil prevê que nos casos de invasões ou má-fé dos posseiros, o proprietário das terras poderá realizar demolições a força, inclusive sem mandado judicial. “Já nos casos em que houve processo na Justiça, com ordem de despejo e demolição, o mandado judicial será cumprido por Oficial de Justiça, com apoio da Polícia Militar, caso necessário”, diz. O advogado alerta para a necessidade de conter a “indústria da invasão” e evitar prejuízo aos cofres públicos com esses pagamentos.

O presidente da Associação de Moradores do Engenho Serraria, José Luiz dos Santos, que pertence a 3ª geração de posseiros da família, conta que teve sua casa derrubada pela vigilância de Suape em janeiro deste ano. “Saí para trabalhar e quando voltei tinham demolido. Pedi a meu filho que fotografasse e filmasse a ação e ele foi ameaçado pelos funcionários de Suape, que tentaram tomar o celular”, conta. Segundo o morador, os funcionários de Suape conhecidos como Costa (Amaro Rodrigues da Costa Filho) e Romero (Correia da Fonseca) andam armados dentro do porto e se dizem autoridade. “Eles coagem os moradores nativos, criando um clima de medo e insegurança”, completa. O relato de que existe uma “milícia armada” (termo usado pelos posseiros) em Suape foi denunciado ao Ministério Público Estadual, no dia 10 de fevereiro deste ano. Na Delegacia do Cabo de Santo Agostinho existem registros de dois boletins de ocorrência contra o funcionário Romero, que é policial civil.

“Os nativos vivem com medo aqui em Suape”, diz o morador de Serraria José Romero. No dia 18 de maio, o posseiro e sua esposa Vilma foram trabalhar e quando voltaram encontraram sua casa queimada, com todos os móveis, eletrodomésticos, roupas e documentos dentro. Os vizinhos, que não quiseram se identificar, disseram que viram a vigilância de Suape rondando a casa. A diretoria do porto afirmou desconhecer o caso. A posseira Raquel Minervino, do Engenho Algodoais, diz que evita sair de casa, com medo de uma incerta de Suape. Em processo de reintegração de posse, a agricultora seria despejada em fevereiro, mas a diretoria do porto admitiu rever o valor de sua indenização.

Suape tem uma extensão de 13,5 mil hectares, entre os municípios do Cabo e Ipojuca. A área foi comprada ao Incra no final dos anos 70 para a construção do porto. O acordo com os posseiros é desapropriar a medida que o governo necessite dos terrenos.

“São as injustiças da Vida”. Entrevista com Sebastiao Pereira Lima, diretor de Gestão Fundiária e Patrimônio de Suape.

Diante de um assunto polêmico, o governo do Estado delegou ao engenheiro Sebastião Pereira Lima a missão de se posicionar pelo Estado, no lugar do secretário de Desenvolvimento Econômico, Geraldo Júlio, e do vice-presidente de Suape, Frederico Amâncio. Durante quase duas horas de entrevista, o diretor de Gestão Fundiária e Patrimônio de Suape demonstrou nervosismo, hesitou nas respostas, se emocionou e afirmou desconhecer procedimentos praticados por Suape. Chegou a pedir à reportagem do JC as imagens onde, ainda este ano, casas foram demolidas, quando ele alega que o procedimento não ocorre há seis meses.

Jornal do Commercio – Posseiros e representantes do Sindicato dos Vigilantes de Pernambuco acusam Suape de usar funcionários armados e vigilantes da Servi San para demolir casas na área do complexo.

Pereira Lima – Eles (os vigilantes da Servi San) não estão mais fazendo demolições. Pode ficar tranquila.

JC – Desde quando não estão mais fazendo? Nossa reportagem tem fotos e vídeos, de 2009 até janeiro deste ano, onde aparecem homens armados da Servi San demolindo casas.

PL – Há pouco tempo Suape deixou de fazer demolições (com a Servi San). Há 6 meses mais ou menos. Quando eu tomei conhecimento que houve desentendimento com os vigilantes (e os posseiros) eu mandei que eles parassem de dar cobertura às demolições armados. E vamos fazer um processo de licitação para contratar a empresa que vai executar essas demolições.

JC – (Insistindo) Temos foto e vídeo de demolições com vigilantes armados em janeiro de 2012…

PL – De janeiro deste ano? Na foto tem vigilante armado? Passe essas fotos pra gente que você ajuda.

JC – Se a Servi San não está mais fazendo as demolições, elas ficaram a cargo de quem?

PL – Por enquanto, contratamos pessoas para realizar essas demolições quando é necessário.

JC – Em várias comunidades diferentes, posseiros denunciam que dois funcionários de Suape conhecidos como Costa e Romero andam armados, se dizendo autoridades e coagindo os moradores. Quem são essas pessoas? Eles têm porte de arma?

PL – Costa é funcionário de Suape há 30 anos e é o chefe das demolições. Ele anda armado? Não sei se ele anda armado. Mas a missão desse cara não é fácil. É uma missão árdua, porque as pessoas não têm simpatia pelo trabalho dele. Romero deve ter porte de arma, porque ele foi comissário de polícia.

JC – Existe alguma proibição para os posseiros construírem novas casas em substituição às antigas, que em muitos casos são de taipa e oferecem risco aos moradores?

PL – Não é proibido construir, mas admito que tentamos de tudo para convencer os posseiros a não fazer. Isso porque eles mesmos terão prejuízo, já que o valor pago pelas benfeitorias no momento da indenização será o da casa antiga. O investimento na casa nova acaba sendo maior que a indenização. Mas o governo tem autorizado em alguns casos, em áreas onde não vai precisar do terreno e que a casa de taipa oferece risco. Teve uma senhora que comprovou que entrava cobra na casa porque era de taipa.

JC – O posseiro José Luiz dos Santos afirma que teve sua casa demolida no Engenho Serraria. Ele alega que a residência antiga era de taipa e precisava de reparos.

PL – Você ainda vai conhecer Zé Luiz. Não vou falar porque não tenho provas. Tá gravando? Então não vou falar. Ele construiu sem pedir autorização a Suape, então derrubamos. E essa não é a primeira casa que ele faz. A maioria dos posseiros e presidentes de associações são pessoas honestas, mas tem uns dois que vivem criando problema. Tem posseiro que constrói e coloca a mulher grávida dentro.

JC – Os moradores reclamam que a diretoria de Suape dificulta as autorizações para reformar e substituir moradias, mesmo em áreas que não serão desapropriadas. Se Suape tenta construir um diálogo com os posseiros não seria indicado avisar antes, ao invés de derrubar as casas na ausência dos donos?

PL – Nesse ponto é verdade, mas não dá para ser diferente. Nós precisamos ter um controle. Tem muita gente invadindo, comprando e vendendo posse. No feriado do último Carnaval, por exemplo, os invasores ergueram 45 casas. Em algumas construções encontramos até seis pedreiros para levantar uma casa pequena em cinco dias.

JC – As comunidades de Suape afirmam que o baixo valor pago pelas indenizações tem empurrado moradores nativos para as favelas ou áreas de invasão. Isso cria um duplo problema para Suape. A posseira Raquel Minervino questiona onde vai comprar uma casa recebendo uma indenização de R$ 12,5 mil
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PL – Aí eu concordo com você. São as injustiças da vida. Tem coisa que a gente quer fazer e não pode. Não tenho interesse em tirar nada de ninguém. O cálculo das benfeitorias é feito por um perito e pagamos o que os posseiros têm direito. Eu me identifico muito com essas pessoas. Venho de uma família de 24 irmãos da mesma mãe e do mesmo pai. Era muita miséria (embarga a voz e enche os olhos de lágrimas). No caso de dona Raquel ela não tinha muito plantio e o valor foi baixo.

JC – Mas foi a própria diretoria de Suape, na gestão do antecessor do senhor, que proibiu os agricultores de plantar desde 2009.

PL – Não existe essa determinação de não plantar. Desde que cheguei em Suape, em abril de 2011, disse que está liberada a plantação de cultura branca (milho, macaxeira, feijão). O que ainda está proibido é plantar muda de coqueiro (que representa um dos maiores valores no cálculo das benfeitorias).

JC – Então é necessário avisar aos agricultores que a proibição caiu para que eles não abandonem seus cultivos, a exemplo do que aconteceu com dona Raquel.

PL – É. Alguns agricultores chegaram a pedir que eu fizesse isso por escrito, a exemplo de um grupo do Engenho Tiriri. A ordem é que pode plantar.

 

Projetos de moradia são fundamentais

O governo de Pernambuco precisa acelerar a implantação de projetos de moradia em Suape para conseguir sanar parte do problema até o final de 2014. Um dos compromissos da gestão Eduardo Campos é a construção de três condomínios residenciais para abrigar a população que precisará ser deslocada de áreas de preservação ambiental e de interesse para a instalação de empresas. A tentativa de implementar o projeto se arrasta desde 2007.

A diretoria de Suape negocia financiamento de R$ 84 milhões com a Caixa Econômica Federal, dentro do programa Minha casa, Minha vida, para construir 2.680 residências, que serão distribuídas em condomínios localizados nas comunidades de Gaibu, Vila Claudete e Rosário. A expectativa é erguer os residenciais por módulos, que serão habitados de acordo com a necessidade de desapropriação das áreas do porto.

Outra proposta é urbanizar e dotar de infraestrutura núcleos urbanos já existentes nas comunidades de Massangana, Vila Dois Irmãos, C-Povo, Vila Suape e Gaibu. Pelo menos 4 mil famílias serão consolidadas nessas cinco áreas. “Depois que a infraestrutura estiver concluída, vamos entregar esses núcleos para serem administrados pelo município do Cabo de Santo Agostinho”, explica o diretor de Gestão Fundiária e Patrimônio de Suape, Sebastião Pereira Lima.

Até dezembro deste ano, o governo do Estado espera entregar as primeiras casas da agrovila Nova Tatuoca, prometida desde 2007. A construção de um condomínio com 73 habitações no Cabo de Santo Agostinho vai receber os moradores que vão deixar a Ilha de Tatuoca. O local foi destinado no novo Plano Diretor de Suape a abrigar o Polo Naval de Pernambuco. É lá onde está sediado o Estaleiro Atlântico Sul e onde estão sendo erguidos os estaleiros Promar e CMO.

Os posseiros de Suape que não serão contemplados pelo projeto de moradia vão receber uma indenização e deixar a área do porto. A diretoria do complexo não consegue mensurar quantas famílias já foram indenizadas desde o início do governo Eduardo Campos. A assessoria de comunicação explica que durante a gestão do ex-presidente Fernando Bezerra Coelho (hoje ministro da Integração Nacional), os pagamentos eram contabilizados como despesa, sem discriminar a finalidade.

Um novo sistema de contabilidade foi implementado com a posse de Geraldo Júlio, descriminando os pagamentos com indenizações e reintegrações de posse. Em 2011, Suape indenizou 284 famílias, desembolsando R$ 15,5 milhões (veja arte ao lado). Outros 67 posseiros só deixaram o porto depois de processos de reintegração de posse, somando R$ 2,5 milhões. No total, 386 famílias deixaram o complexo no ano passado.

De janeiro a abril de 2012, Suape negociou, pagou e homologou 33 indenizações e reintegrações de posse, com desembolso de R$ 2,9 milhões. A diretoria de Suape diz que não faz uma estimativa do volume de indenizações para este ano, porque depende da demanda das empresas por terrenos. Entre 2007 e 2010 (informação mais recente divulgada), 50 empreendimentos se instalaram no complexo.


Fonte: Ciência e Meio Ambiente

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