Ex-moradoras de favela atingida por incêndio em setembro em SP não recebem auxílio-aluguel

06 de dezembro de 2012

Fabiana Nanô, do UOL, em São Paulo

Fabiana dos Santos Melo, 27, também teve seu barraco atingido no incêndio e está até hoje, três meses após o fogo, esperando o auxílio-aluguel. Foto: Fabiana Nanô

Em uma esquina do Campo Belo, bairro da zona sul de São Paulo, um muro cinza de alvenaria inacabada serve de proteção a duas pequenas casas, agraciadas com um grande quintal. Mas há algo de errado. Em vez de jardins e áreas de lazer, o que se vê é um piso de concreto e alguns materiais de construção encalhados em um canto. Apesar da presença de várias crianças, nenhum brinquedo foi erguido no terreno. É que as moradoras destas casas não pertencem aos imóveis, nem os imóveis pertencem a elas.

Estas moradoras, aliás, não têm um pedaço de terra para chamar de seu. Perdidas e sem saber a quem recorrer, elas clamam pelo direito à moradia na maior metrópole do país.

Cleide Alves da Silva, 29, e Luciana Alves da Silva, 31, perderam tudo no incêndio que atingiu a favela Sônia Ribeiro, conhecida como Piolho, em 3 de setembro deste ano. Sem ter para onde ir, contaram apenas com a boa vontade de um conhecido para arranjar um lugar emprestado, onde construíram dois cômodos mobiliados com doações de “pessoas estranhas”, como dizem as duas irmãs. Da prefeitura, elas receberam apenas cesta básica e colchonetes nos instantes seguintes ao fogo. “Depois disso, não tivemos mais auxílio nenhum da parte deles”, conta Cleide.

Nem mesmo ajuda para alugar um canto novo. Cleide diz que se inscreveu em um cadastro da prefeitura para receber o auxílio-aluguel, que nunca chegou. “Eu arrumei uma casa para alugar e fui levar o comprovante [para os funcionários da prefeitura], com a promessa de que no dia 1º de outubro eles começariam a pagar o primeiro auxílio-aluguel. Dariam um cheque de R$ 1.800, referente a seis meses. Depois disso, não tivemos retorno.”

Um dos possíveis motivos da confusão diz respeito à natureza do cadastro. Segundo Cleide, os agentes públicos que foram ao Piolho logo após o incêndio inscreveram os moradores cujos barracos haviam sido atingidos pelo fogo em um cadastro do Previn, o Programa de Prevenção contra Incêndios do governo municipal.

À época, muitas pessoas não quiseram se inscrever, já que não se tratava de habitação. “Hoje, as assistentes sociais dizem que somente as 92 famílias cadastradas no Previn poderão receber esse auxílio-aluguel e a promessa de uma moradia, que deve ficar pronta no final de 2013. Mas eu não creio que isso vai acontecer”, continua, desesperançosa.

Segundo a Sehab (Secretaria Municipal de Habitação), todas as famílias que moram em assentamentos precários existentes dentro dos limites da operação urbana Água Espraiada foram cadastradas, entre 2009 e 2010, no programa que destina uma habitação de interesse social a elas. No caso do Piolho, a secretaria informou que houve um cruzamento de dados –agentes da Defesa Civil foram à comunidade após o fogo, inscreveram as 92 famílias e depois repassaram os dados à Sehab.

O órgão da prefeitura ainda informa, em nota, que “as famílias dos 92 barracos atingidos não aceitaram o atendimento de auxílio-aluguel oferecido”. “Cabe esclarecer que foram feitas reuniões com as lideranças comunitárias e com os moradores, mas ninguém aceitou a proposta.”

Não é o caso de Cleide. Ela, que é mãe solteira de uma menina, não só se inscreveu e espera o auxílio, como lamenta que o mesmo não ocorra com a sua irmã. Luciana estava ausente no dia do cadastramento, e, embora morasse em um barraco próprio, Cleide não conseguiu convencer os agentes públicos a realizar dois cadastros. “Em vez de colocar ‘moradora ausente’, eles a puseram como segunda titular da minha residência, como se houvesse só uma moradia”, afirma.

Luciana, casada e com cinco filhos para cuidar, conhece bem a sua situação. “Se não fosse esse amigo do meu marido [que emprestou o terreno no Campo Belo a eles por um ano], a gente ia estar na rua. Porque muita gente não conseguiu lugar para morar.”

Fabiana dos Santos Melo, 27, também ex-moradora do Piolho que teve o barraco atingido pelo incêndio, se inscreveu no “cadastro do Previn” e está até hoje, três meses após o fogo, esperando o auxílio.

“Eu tenho quatro filhos e caí nessa também. Estou tendo que pagar aluguel, água e gás por conta própria. Meus filhos precisam comer e os pais deles não ajudam. Está difícil”, conta.

Segundo ela, os funcionários da prefeitura deixaram “bem claro” que, quando o morador assina com o órgão para receber auxílio-aluguel, deve deixar o terreno da favela. “A gente foi embora e não voltou [para o Piolho], e cadê o dinheiro?”, indaga.

Cleide não se conforma. “Ninguém mora em favela porque quer, nem porque gosta. É porque precisa. Eu sou uma cidadã e quero ter o meu direito a uma moradia decente. Porque o voto é obrigatório, mas quando você vai exigir os seus direitos, você não tem. Quando eu vou poder dar um quarto só para a minha filha? Não tenho como. Não temos a quem recorrer. E é nesse inferno que vivemos desde o dia do incêndio.”

Clique aqui para ver o mapeamento dos incêndios em favelas de São Paulo feito pelo UOL.

 

Fonte: UOL Notícias

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