“Não sou morador de rua, estou em situação de rua”

29 de outubro de 2012

Viver nas ruas não é uma opção individual nem uma escolha de livre vontade. Homens e mulheres são levados a essa situação por condições impostas como falta de trabalho e renda, rompimento dos vínculos familiares, adversidades pessoais e doenças, fatores ligados a desastres geográficos, como inundações e secas.

Além de acabar na rua por uma série de perdas, a população nesta situação também está sujeita a todo tipo de preconceito. Não é raro ouvir expressões como “mendigos”, “pedintes”, “vagabundos”, “essa população é assim mesmo” para definir quem está na rua, julgamentos feitos sem levar em consideração que acima destas definições estão seres humanos em busca de respeito e oportunidade.

A população em situação de rua enfrenta sozinha uma luta diária contra a fome, a exposição ao frio, ao calor, às chuvas. Muitas vezes a sociedade culpa estas pessoas pela condição em que se encontram da mesma forma como generaliza seu estado, ignorando a singularidade de cada indivíduo. A desumanização cria uma invisibilidade geradora de graves violações. Tratar essa população como um perigo, com indiferença ou descrença é apoiar a violência e marginalização a que é submetida e naturalizar a morte lenta e silenciosa destas pessoas.

É o que mostra a trajetória de Ribamar, primeira das histórias de vida de pessoas atendidas pelo Programa Reviravolta que serão relatadas neste espaço. Ele está no programa há seis meses e, aos 49 anos, este teresinense que viveu a maior parte de sua vida na Freguesia do Ó conta que se viu em situação de rua pela primeira vez em 1999. Quatro anos antes estava em Ribeirão Preto, separado há pouco tempo, e morava no prédio em que trabalhava como metalúrgico quando foi demitido.

Fatores

Desempregado, sem ter onde ficar e sem vínculos afetivos, Ribamar voltou para São Paulo em busca de trabalho e, segundo ele, “o emprego demorou mais para chegar que o dinheiro para acabar”. Fazia uso abusivo de álcool e “não queria dar trabalho para a família”, não se sentia a vontade de morar com os irmãos e sobrinhos. Não tinha como manter o aluguel de onde morava e começou a passar noites na rua. Fazia alguns serviços de pintor e outros bicos que apareciam e começou a viver em uma ocupação na Zona Norte, um sobrado abandonado que abrigava precariamente a ele e mais duas famílias. Sempre teve conflitos, mas foi por força de uma ordem de despejo que eles foram obrigados a desocupar a casa.

A rua

“Aí eu vi o que é realmente estar na rua”. Assim deu início em sua trajetória de peregrinação pelos espaços do entorno da Av. Inajar de Souza. Não acreditava no que vivia e lembra-se de pensar se “aquilo era realidade ou pesadelo”. Sobrevivia sozinho ao frio de agosto, não gostava de andar em grupos e “colchão de papelão e travesseiro de tijolo” nem sempre eram suficientes para protegê-lo, apelava para a “companhia da bebida”.

Preconceito e sofrimento

Sentia a solidariedade, mas também o desprezo das pessoas: “alguns me ignoravam como se eu fosse insignificante”, outros recriminavam, “esse está sempre bêbado”, mas, a maioria, tratava com descrédito, “ele não tem jeito, não”. Recorda que dormia em frente a uma loja de autopeças e sempre fez questão de sair antes de as pessoas chegarem para trabalhar e que seu pior momento foi numa manhã em que acordou e não tinha forças para se levantar, estava debilitado, “mal me alimentava”, sentia o coração disparar e o corpo inteiro tremer, “pensava que ia morrer”. Foi auxiliado por um vigia do estacionamento. Sofreu várias internações em prontos socorros por causa da saúde fragilizada. Recebeu apoio e aceitou tratamento para o alcoolismo, ficou em recuperação por dois anos e quando saiu em 2010 foi para um albergue.

Reviravolta

Hoje ele está em uma república, moradia provisória conveniada à prefeitura, e diz que tem planos de alugar um quarto nos próximos meses. Busca uma recolocação no mercado formal de trabalho, citando passagens do Evangelho para mostrar seu otimismo. Quando perguntado sobre qual foi o aprendizado ele responde que nada mais o abala: “Achava que nunca ia passar por uma experiência destas, não tenho vergonha de contar o que vivi, mas não quero que tenham dó de mim. Antes eu não me amava, agora eu amo a vida e amo viver”.

 

Fonte: Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos

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