Observatório das Metrópoles: A realidade da moradia no Brasil

14 de setembro de 2012

por Adauto Lúcio Cardoso, professor associado do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ) e pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles, Núcleo Rio de Janeiro

Desde a extinção do BNH, em 1986, até 2008, a habitação social permaneceu relegada a uma posição subalterna na agenda das políticas sociais. Enquanto isso, os problemas habitacionais se agravaram. A Fundação João Pinheiro estimou, no ano de 2008, o déficit habitacional brasileiro em cerca de 5,5 milhões de unidades, sendo cerca de 1,5 milhão nas regiões metropolitanas. Desses totais, 90% correspondem a famílias em situação de pobreza, com renda familiar na faixa de 0 a 3 salários mínimos.

Mas o déficit habitacional é apenas uma parte dos problemas, porque o estoque de domicílios existente apresenta graves situações de precariedade. As estimativas do IBGE para os domicílios em áreas de favelas montam a um total de 3,2 milhões. Esse fenômeno, mais do que o déficit, tem uma concentração fortíssima nas metrópoles, com as regiões do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, sozinhas, agregando cerca de 1,2 milhão de domicílios, respondendo por 37,5% do total. A Região Metropolitana de Belém, que tem a maior concentração relativa de favelas no Brasil, tem mais da metade do seu parque domiciliar (cerca de 54,4%) em situação de precariedade habitacional. E esses números ainda não levam em conta os loteamentos irregulares e clandestinos das periferias, a irregularidade fundiária, o problema do saneamento e dos transportes.

Em 1996, a Constituição finalmente incluiu o Direito à Moradia como um dos direitos sociais. Do ponto de vista das responsabilidades governamentais, o texto de 1988 já havia estabelecido a habitação como “competência comum” a União, estados, municípios e Distrito Federal. Essa definição vincula todos os entes federados à necessidade de atuar no setor, todavia deixa em aberto quais as atribuições inerentes a cada um, o que tem levado, em muitos casos, à inércia – o famoso “deixa que eu deixo” – e em outros casos, à sobreposição de atuações em um mesmo território, usualmente aqueles de maior visibilidade política.

A história das políticas habitacionais no Brasil sempre conferiu um papel protagonista ao governo federal e os governos municipais desvincularam-se de qualquer responsabilidade nessa área. No entanto, com o processo de redemocratização e com a descentralização operada pela Constituição de 1988, os municípios efetivamente passaram a ter um papel estratégico no desenvolvimento de ações mais consistentes na área da habitação. Cabe lembrar que o problema habitacional não se resolve apenas com o financiamento e com os subsídios, embora estes sejam elementos fundamentais. É necessário tratar adequadamente o problema do acesso à terra e do controle sobre os processos de valorização fundiária. Nesse ponto, a Constituição estabeleceu claramente a competência municipal, ao estabelecer o princípio da função social da propriedade e colocá-lo sob a tutela dos municípios. O Estatuto da Cidade, promulgado em 2001, reitera e detalha os princípios constitucionais, criando instrumentos que permitem aos governos locais atuar de forma muito mais eficaz na questão habitacional. No entanto, poucas administrações têm efetivamente atuado nesse campo, o que tem se refletido no aumento desenfreado do preço da terra nas áreas metropolitanas, inviabilizando ou dificultando a provisão de unidades para as camadas de baixa renda no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida.

A complexidade do problema exige empenho. Cabem, portanto, como responsabilidades a serem cobradas dos novos governantes a serem escolhidos na próxima eleição: criar estruturas institucionais permanentes, com quadros técnicos competentes e concursados, que permitam montar programas adequados às realidades locais e que possam ter continuidade; prover fluxo de recursos permanentes para a área de habitação, complementando os investimentos das instância federal e estadual; criar e atualizar levantamentos sobre os problemas habitacionais; e, por fim, mas não em último lugar, dar consequência às atribuições que lhe foram delegadas pela Constituição no cumprimento da função social da propriedade.

 

Fonte: O Estado de São Paulo

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