Revitalização de parque em Salvador gera polêmica e desapropriações

Famílias reclamam das condições impostas pelo Estado e dos valores das indenizações para revitalização do Parque São Bartolomeu, em Pirajá.

O ambiente é devastador. Escombros por todos os cantos podem levar alguém a imaginar que a região foi bombardeada. Nada disso. São entulhos os vestígios da casa do pedreiro Agnaldo Santos Reis – que atualmente mora com parentes -, de 50 anos, e de seus vizinhos no entorno do parque São Bartolomeu, em Pirajá, no subúrbio ferroviário de Salvador. Assim como ele, centenas de moradores do interior do parque e da comunidade ao redor da área ambiental têm de deixar o local em que moram.

“Conheço isso aqui como a palma da minha mão. Aqui ficava a porta, ali a sala. O meu quarto era no fundo, à direita, bem em frente ao banheiro”, aponta para os cômodos fantasmas do imóvel que construiu há três décadas. “A minha neta passa por aqui e diz: ‘Essa era a minha casa'”, afirmoa o pedreiro.

Tal situação de desapropriação e derrubada de casas é resultado de um projeto de revitalização de quase 80 hectares do parque. O intuito é transformá-lo em unidade de conservação. O projeto, iniciado em 2011 e cujo fim está previsto para o ano que vem, é desenvolvido pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano (Sedur).

São Bartolomeu está dentro do parque metropolitano de Pirajá, onde, em 2 de julho de 1823, tropas baianas expulsaram o exército português, resultando na Independência da Bahia. Criada por decreto em 1978, é considerada a maior reserva de mata atlântica em área urbana do País. Ao todo, são 1.550 hectares.

Coordenador do Movimento de Cultura Popular do Subúrbio (MCPS), Raimilton Carvalho expõe as duas faces da moeda da revitalização. Um objetivo da ação governamental é preservar o parque. “Vai ser feito um trabalho para tornar a área uma unidade de conservação. Atividades, como o extrativismo, vão ser organizadas, para a sustentabilidade do parque. Essa intervenção é pleiteada há muito pelas comunidades, pela sociedade civil e, sobretudo, pelas religiões de matriz africana que realizam as suas celebrações no local”, ele disse.

 

Construção de casa para moradores da região do parque São Bartolomeu (João Paulo Gondim)

Por outro lado, há a queixa de que o governo não realiza reuniões frequentes para explanar as suas medidas. “A Conder precisa estar mais presente [ao lado dos moradores]. A situação está tensa. Se ninguém conversar com o povo, a insatisfação só vai aumentar”, disse Raimilton.

No interior do parque moravam 471 famílias. De acordo com a Conder, 65 foram morar em um conjunto habitacional especialmente construído para reassentá-las, o Mirante do Pirajá. De acordo com o governo do Estado, 200 vão receber apartamentos que estão sendo feitos na encosta do Pirajá. O restante preferiu a indenização.

Já aqueles que estão na comunidade São Bartolomeu, ou seja, nas cercanias da reserva ecológica, vão residir em 256 apartamentos em construção. De acordo com a autarquia, a área é de 42,86 metros quadrados – há morador que diz ser de 36 metros quadrados, apenas. Enquanto não vão para lá, recebem aluguel social no valor de R$ 300.

Há dois tipos de indenização: a simples, na qual o morador recebe o valor de acordo com laudo de elaboração elaborado pela Conder, e a monitorada, em que o órgão repassa para um morador de uma área precária um imóvel no valor de até R$ 25 mil.

Existem indenizações contestadas. O pintor de paredes Raimundo Santos, de 40 anos, reclama da avaliação em seu imóvel. “Disseram que a minha casa com concreto, de bloco, rebocada vale R$ 25 mil. As de madeirite deram R$ 27 mil”, afirma.

A perda das casas e as incertezas do futuro afetam psiquicamente os habitantes dos arredores do parque São Bartolomeu. Há sete meses no Centro de Referência em Assistência Social (Cras) do bairro, o psicólogo Bruno Prestes afirma que muita gente atendida apresenta quadro de depressão.

“A retirada de suas casas viola o local onde constroem seu modo de viver. Os moradores estão muito abalados. São Bartolomeu é o território onde está a herança cultural que receberam de seus ancestrais negros e indígenas”, afirmou o psicólogo.

Para evitar laudos de avaliações que resultem em preços polêmicos, o defensor público Gil Braga diz que uma empresa será contratada nesta semana para fazer o que chama de “contra-proposta” para os moradores que perdem seus imóveis.

“Essa empresa vai elaborar laudos técnicos para temos uma avaliação independente a do Estado”, diz o defensor. “Não subscrevam nenhum documento sem antes falar conosco”, completa Gil Braga, cuja especialidade na Defensoria Pública do Estado é a questão fundiária.

A Conder afirma que, entre outras benfeitorias, estão em construção a creche Heroínas do Lar, o Centro de Cultura e Cidadania de Pirajá, Centro de Referência do Parque São Bartolomeu, quadras esportivas, além de revitalização de praças já existentes.

A companhia acrescenta que a urbanização e dotação de infraestrutura da encosta de Pirajá beneficiarão 1.925 pessoas, que não vão precisar sair de casa. Segundo o órgão estatal, melhoria de pistas e espaços públicos estão nos planos.

Todos esses empreendimentos custam R$ 90 milhões. O Banco Mundial cedeu parte de tais recursos.

 

 

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