Sem-teto são unha encravada no centro de São Paulo, diz Mano Brown

20 de maio de 2012

O grupo Racionais MC’s gravou o clipe da música “Marighella”  na Ocupação Mauá, que fica no centro de São Paulo, em uma região disputada politicamente devido ao projeto Nova Luz e às recentes operações de combate ao uso e tráfico de crack.

Segundo Mano Brown, “a gravação foi a maneira encontrada para apoiar as mais de 1.300 pessoas que moram no local há quase cinco anos. A Justiça determinou neste mês a reintegração de posse, cuja data será definida em julho.” (FSP)

A moradia foi um dos vários temas abordados por Mano Brown em sua entrevista à Folha. Alguns trechos estão transcritos abaixo.

Folha – O que veio fazer aqui?

Mano Brown – Eu já vinha acompanhando o caso da ocupação pelo noticiário. Estava indiretamente engajado, e o pessoal do movimento vinha falando que a gente precisava gravar aqui, porque aqui é onde estão as ideias do Marighella.

Como foi gravar na Mauá?

A ficha ainda não caiu. Eu já tive oportunidade de cantar falando das coisas dentro da coisa em si, como na casa de detenção. A gente fez a música ‘Diário de Um Detento” e cantamos dentro da detenção [Carandiru], antes dela cair. Foi mais ou menos como hoje aqui. O Marighella falava sobre isso: reforma agrária, divisão das terras, justiça social. E aqui é como se fosse a unha encravada da cidade. É um problema que eles [poder público] não querem, não têm sensibilidade para resolver como deveriam.

Como vê as ações recentes aqui na cracolândia?

Isso se chama especulação imobiliária. Já fizeram isso em São Paulo no começo do século 20. Fizeram isso no Rio de Janeiro, no Bronx, em vários lugares. É um lance racial. São Paulo foi forjada assim. O que a gente tá vivendo aqui é resquício da época da escravidão, são as mesmas fórmulas. Eles querem “limpar”, sumir com o problema, e não resolver.

Acho que eles [sem-teto] têm que lutar mesmo. Não tem que demarcar território para A, B ou C. Se eles estão vivendo aqui, eles têm que continuar aqui. E o rap deve ajudar. Eu sei que eu tenho um peso e que eu posso colaborar.

[…]

Acha que essa causa da Ocupação Mauá vai conseguir apoio da população de São Paulo?

A sociedade primeiro tem que se sensibilizar. São Paulo é uma terra em que as pessoas são muito individualistas. Usa-se o termo reacionário, né? Grande parte da população vê eles [sem-teto] como um problema e prefere se livrar deles usando o sistema. Isso é uma coisa bem de São Paulo. A pessoa cai aqui, você passa por cima e vai embora. Isso é São Paulo.

Quem mora lá [na periferia] fica isento de muita coisa, tem um lugar reservado, mas fica longe de tudo. E aqui eles estão perto de tudo –e isso tem um preço. Estar perto do progresso tem um preço. Então querem cobrar esse preço deles. Você não tem direito de estar perto do hospital, da estação de trem, do metrô, você não tem direito de estar a cinco minutos do trabalho. Você tem que estar lá no fundo, onde as pessoas que não têm direito estão.

Ninguém é dono de São Paulo e o paulista não é dono de São Paulo. O brasileiro é dono de São Paulo, como é também dono da Bahia, dono de Minas Gerais…

 

A entrevista completa com Mano Brown pode ser lida aqui.

 

Fonte: A Folha de São Paulo

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