Editorial: “Direito à moradia”

30 de abril de 2012

Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), em relação ao direito à moradia adequada, prevê que os conflitos em torno da apropriação de territórios estão crescendo de maneira sensível no Brasil, devendo aumentar no decorrer dos próximos anos. A situação pode parecer paradoxal para alguns, porque têm havido investimentos e financiamentos públicos de grande vulto para a produção de moradia no País, sobretudo destinada às faixas de renda de zero a três salários mínimos e de três a cinco, que são aquelas de maior demanda e necessitadas da intervenção do poder público. No plano federal, foi incrementado o programa Minha Casa, Minha Vida, bem como se ampliaram os recursos destinados ao chamado PAC das Favelas.

As melhorias no sentido de facilitar o acesso à casa própria se acentuaram a partir da aprovação, em 2005, do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, que prevê um pacto federativo entre União, estados e municípios, voltado para subsidiar, com recursos orçamentários, a produção de habitações para aqueles que mais delas precisam. Na prática, entretanto, ocorrem obstáculos à plena consecução desse objetivo.

Sobretudo nas grandes concentrações demográficas, a exemplo da Região Metropolitana de Fortaleza, áreas ocupadas, há décadas, por populações de baixa renda, passaram a ser alvo dos interesses da expansão imobiliária, provocando a remoção de comunidades inteiras para zonas mais distantes dos núcleos centrais das cidades. Esse deslocamento deveria ser precedido de estudos para encontrar locais adequados para construção de casas populares dentro do plano de ordenamento populacional. Deveria haver também a necessária preparação e integração do novo espaço habitado, com equipamentos urbanos básicos.

Por um singular paradoxo, segundo afirmam analistas da ONU, a própria abundância do crédito e o programa habitacional adotado, na ausência de uma diretriz urbana e de mecanismos de controle, terminam por acentuar os conflitos já existentes. Em certos casos, detecta-se a remoção de comunidades já estabelecidas e organizadas nas áreas requisitadas para obras públicas de grande porte. O solo das grandes metrópoles torna-se cada vez mais caro, conforme registra a mídia nacional, e Fortaleza é apontada como detentora de um dos metros quadrados mais elevados do País.

Enquanto o Minha Casa, Minha Vida pode funcionar bem em regiões interioranas do Maranhão, Piauí ou Mato Grosso, o que se observa nas grandes regiões metropolitanas é a escassez de áreas apropriadas para a construção de moradias destinadas a pessoas de baixa renda, deixando milhares de famílias praticamente sem opção.

De acordo com declarações da relatora especial da ONU para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik, nas últimas décadas, assistiu-se, nos planos nacional e internacional, à transformação conceitual da moradia como um direito para a moradia como uma mercadoria, um simples objeto de consumo a ser produzido e adquirido no mercado. Em alguns países, a adoção de tal paradigma se tornou responsável pela geração da grande crise econômica que o mundo atravessa há quatro anos.

Os responsáveis pelo setor precisam se conscientizar de que o direito à moradia não significa apenas obter um teto para abrigar-se. Mas, ao mesmo tempo, o cidadão merece ter acesso a uma vida condigna e a outros direitos fundamentais, entre eles, a educação, saúde, trabalho e meio ambiente saudável.

 

Fonte: Diário do Nordeste

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